Não tem importância, é só a demissão da provedora responsável pelo canil e gatil da CML
Que inconveniência... pôs a "boca no trombone"!
______________________
«HOJE TORNO PÚBLICA A MINHA JÁ APRESENTADA DEMISSÃO»
Provedora Municipal dos Animais de Lisboa
Hoje, dia 13 de Agosto de 2013, passam apenas 57 dias da minha tomada
de posse enquanto Provedora Municipal dos Animais de Lisboa, nomeada
pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. António Costa.
Nestes 57 dias, o sucesso que consegui obter no âmbito da missão que
tomei em mãos é incomparavelmente inferior às dificuldades, às
inverdades, a ausência de emergência, à inexistência de urgência que
circunda a Casa dos Animais de Lisboa, as suas paredes actuais e aquelas
que já há muito deviam estar erguidas. Os seus dirigentes e outra gente.
As salas de quarentena que persistem em ser feitas de fumos de palco,
as bactérias e vírus que se espalham gatil afora, e outras canil
adentro.
O que consegui foi um pouco para além do óbvio, e que tão
pouco caberia a um “tradicionalíssimo provedor”: tirar algumas fotos e
divulga-las pelo mais céleres dos meios actuais – o facebook -, dar
informações legais a quem me as solicitou, procurar dar abrigo para
animais abandonados, e pressionar muito, muitíssimo – trabalho que não
se vê e, consequentemente, não existe para quem procura muito a
cegueira. Conseguimos, num dia épico de 40º à sombra, fazer prevalecer a
vida de um animal sobre a propriedade privada. Uso o plural porque sem
um grupo de elementos da Polícia Municipal, seu Chefe e seu Comandante,
dotados dos aparelhos de sensibilidade que deviam ser funcionais em
todos os humanos e não são, e da coragem dos destemidos, sem eles, o
Corujinha jazeria provavelmente morto há mais de um mês. Sem um dado
Encarregado da Casa dos Animais de Lisboa o Corujinha jazeria morto,
depois de uma doença contraída na Casa dos Animais de Lisboa que apenas
podemos saber ser “provavelmente” uma parvovirose. Porque análises de
sangue é coisa que não vi ali sucederem. Nunca. Nem quando nove gatos
recolhidos da mesma casa, com o delicioso ar felino de pequenos bebés e
aparência saudável, começaram a morrer fulminantemente em casa dos
adotantes, a contagiar dramaticamente os gatos próximos, com
diagnósticos concretos de calicivírus por médicos veterinários analistas
da exames de sangue. A resposta, quando questionada, da equipa
veterinária da CAL, foi “panleucopenia”, embora sem certezas porque,
para não ser diferente, não se analisou sangue ou animais. Para quê?
Afinal, estamos apenas a falar do canil e do gatil que alberga os
animais da capital do país.
Desde o início afirmei e julguei
existente, manifesto e intenso o respaldo do Presidente da CML, promotor
das mudanças traduzidas no afastamento da anterior Directora do
Canil/Gatil Municipal, Dra. Luísa Costa Gomes e nomeação do actual
Director da Casa dos Animais de Lisboa, Dr. Veríssimo Pires; na criação
da figura do Provedor Municipal dos Animais de Lisboa e consequente
nomeação da minha pessoa para essa missão e; na criação de um Grupo de
Trabalho presidido pela Sra. Bastonária da Ordem dos Médicos
Veterinários, por elemento, veterinário naturalmente, indicado pela dita
Ordem, pelo responsável pelo Departamento Municipal que tutela a
Divisão responsável pela Casa dos Animais de Lisboa, pelo Director da
mesma e por mim, na condição óbvia de Provedora. Esse respaldo não
apenas não foi manifesto ou intenso, como foi totalmente anulado pelo
afastamento do Senhor Presidente do assunto. Esse respaldo tornou-se
para mim patentemente fugaz face ao paternalismo demonstrado pela
Direção da CAL. Finalmente, tornou-se para mim claro que o meu sítio não
é ou será alguma vez aquele em que se constitui um Grupo de Trabalho
que alia peritos e os serviços municipais, sob o crédito e a batuta
institucional da pessoa que ocupa a louvável posição de Bastonária da
Ordem dos Médicos Veterinários, para um mês e meio depois ver essa
figura institucional numa lista partidária candidata à vereação da
Câmara Municipal de Lisboa. A promiscuidade que este acto indicia,
noutras circunstâncias inocente, destrói completamente a credibilidade
de um Grupo de Trabalho que se queria independente, analista ao ínfimo
das práticas actuais da Casa dos Animais e recomendador rigoroso das boas
práticas que devem marcar o futuro. “À mulher de César não basta ser,
há que parecer”, já se diz há séculos. No dia em que soube deste encaixe
de lista, a minha decisão entretanto já tomada tornou-se sólida como a
pedra mais dura.
Eu acumulei o odioso de ser a cara dada pela Casa
dos Animais de Lisboa, quando esta tem Direcção serena; o odioso dos anos
em que nada se fez pelo canil/gatil municipal e ali se fizeram coisas
impróprias de designação civilizada; o odioso de encarnar um demónio
eleitoralista, porque há eleições autárquicas a 29 de Setembro. Tenho
costas largas e pelos animais abrigados na CAL acumularia três vezes o
odioso que me ofereceram. Se alguma coisa mudasse com urgência. Se eu
visse mudança, cheirasse confiança, ouvisse certezas dignas, tateasse
cães e gatos saudáveis. Jarra eleitoral não sou.
E pouco me interessam
os actos eleitorais, se o candidato é pessoa que aprecio ou não. Sempre
disse a quem me nomeou que gostando pessoalmente de quem gostasse, gosto
muitíssimo mais dos animais. Cada vez mais, friso.
Quando pessoas
próximas souberam de antemão que tinha aceite esta missão, rapidamente
me alertaram com preocupação para a areia na engrenagem do interior da
organização camarária – que considero insustentável, disfuncional e auto
proclamatória de nadas –, mas também para os ódios, mesquinhez, inveja e
outros tantos adjectivos que pairam sobre a dita “causa animal”. Não
estavam errados, até porque essas pessoas conhecem bem o dito universo.
Povoado por grandes pessoas, de amplo coração, mas infelizmente
ultrapassados em número por pessoas lamentavelmente pequenas, tacanhas e
seriamente empenhadas em promover o insucesso alheio.
A quantidade de
deseducados e candidatos a donos absolutos da verdade é tão grande que
por vezes temo pelos animais que dizem amar e proteger, e que são tantas
vezes repositórios de candidaturas à santidade e de desequilíbrios
emocionais humanos graves. Lá está, o verdadeiro animal predador, aqui, é
o ser humano. E o verdadeiro sabotador dos direitos e protecção dos
animais são aqueles que mais batem com a mão no peito clamando
conhecimento de causa, ao interessarem-se senão pela sua verdade, pelo
seu quintal, pelo português hábito de dizer mal desinformada e
gratuitamente. Tive o enorme desprazer de conhecer ou saber da
existência de tal gente. Que provavelmente encomendam em correria
foguetes para celebrar a minha demissão. Desproporcionados face ao
fogo-de-artifício gigantesco que descreve o bem-estar de nunca mais ter
de saber da sua existência e não ter qualquer dever de as ter por perto.
O feminino não é género alheio à descrição.
Conheci também das
melhores pessoas do mundo, e essas levo-as comigo, para a minha vida
pessoal. Críticas, sugestivas, que sabem bem mais que eu mas não
apregoam o seu generoso conhecimento, e que realmente ignoram o humano
do lado para se focarem em quem interessa: os animais. Encontrei,
também, nos funcionários da Casa dos Animais de Lisboa pessoas
dedicadas, amantes dos animais que ali se encontram, desamparadas na
fama formada sem proveito de serem reais bestas. Foram meus colegas,
trabalhei com eles de igual para igual – coisa que efectivamente somos.
Mudaram de atitude? Sentiram também que alguém mudou de atitude para com
eles. E isso faz muita diferença.
Enquanto escrevo esta mensagem
pública, estou em contacto com uma rapariga aflita com dois gatinhos
recém-nascidos, que associação nenhuma consegue ajudar a acolher e
tratar; com uma senhora que se torna minha comadre, pois juntas
acolhemos a partir de hoje uma ninhada de uma mamã gata ferida por um
cão, que findo o aleitamento terá de ser amputada pelo veterinário que
cuida dos meus “miúdos”, que são a minha família; com um senhor que quer
ir de férias e para isso “dá” a uma desconhecida após contacto
telefónico, os gatos que tem desde 2009. Em nenhum destes casos me valho
senão das minhas possibilidades. Não confio nas condições da ala do
gatil da CAL para acolher estes gatinhos. De há duas semanas a esta
parte, sou incapaz de promover ou sugerir tal coisa seja a quem for.
Custa-me sair, na medida em que uma batalha enorme aparentemente ganha
era apenas uma patranha. Nem toda a boa vontade do mundo chega. Nem todo
o querer do universo chega. Nem as mudanças lentas chegam. Quando tudo
jaz, afinal, na ponta da caneta de um homem só.
As únicas vidas que
me interessam, neste processo de agonia lenta e enorme frustração, são
as dos animais. Graças a uma mudança efectiva, posso visitá-los,
fotografá-los, mimá-los dentro do horário em que a Casa dos Animais tem
portas abertas a visitantes.
Levarei uma muda de roupa, que largarei em
seguida, para não repetir o risco de transportar vírus para a minha
família. Também eu senti na pele o que é ter uma bebé que amo em risco
de vida, porque eu transportei comigo a doença que quase a levou. É um
número, para além da impotência a que me reconheci remetida afinal desde
sempre, que torna “irrevogável”, como é moda dizer-se, a minha
demissão: 17. Dezassete gatos falecidos na sequência de doença e
contágio, sequência fatal tremenda que começou numa sala da CAL e
terminou em cadáveres de gatos que nunca tiveram senão a fortuna de
serem amados pelos seus donos. Dezassete cadáveres. Com nome, família,
casa e as muitas saudades que deixam. Mas afinal, terá sido só
panleucopenia, diz-se lá do Monsanto.
Em geral, as pessoas esperam
de uma pessoa que exerça uma tarefa pública, um distanciamento gélido a
que se convencionou chamar “cunho institucional”. Se tal pessoa não agir
de acordo com o protocolo institucionalizado, não passará de um
“baldas” sem decoro. Impróprio. Desadequado. Que não leva a sério o que
tem em mãos. Eu sou informal. Sou disponível para as pessoas. Sou
aguerrida. Características, aliás, subjacentes ao convite para Prover
pelos animais de Lisboa.
Os juízos ficam para quem pratica o
desporto de julgar no tribunal doméstico. Para os obcecados, que os há. E
para as candidaturas da verdade absoluta. Não sei, com franqueza, se
haverá Provedor seguinte. É sorte que não posso desejar a alguém. Mas
receber queixas e reencaminhá-las é o expectável de quem se siga. Para
incomodar sonoramente, para mais em tempo eleitoral, já houve esta. Que
não se repita o erro de não dominar a voz de quem sirva de “Ouvidor”!
Não abandono animais. Mas abandono pessoas e projectos que não são
genuínos. Espero que haja grande esforço em provar que eu estava errada.
Que tudo o que aqui aponto mude no próximo mês, e que eu engula as
palavras escritas. Não as engolirei, porque sei-as tremendamente
verdadeiras. Mas nada me importo desse esforço pelo meu descrédito, se
tal servir os interesses dos animais que vivem na CAL e cá fora. Porque
na verdade, tudo jaz, afinal, na ponta da caneta de um homem só.