CADA UM É PARA O QUE NASCE

Tenho evitado falar do no ex-José-primeiro porque não há nada de novo a dizer e porque já teve protagonismo de sobra (agora só se fosse mesmo o julgamento que se impõe mas que não se faz) mas hoje não resisto, não posso deixar passar mais esta sua historieta, esta demostração de absoluta coerência de comportamento.

Lá estava José a comentar na RTP1 - obviamente não vi mas alguém me contou a bronca - quando resolveu prestar a sua homenagem a Eusébio (há oportunidades que não se podem desperdiçar...). Lá contou que é do Benfica desde pequenino (de momento é o que está a render...) e por causa do Eusébio, claro.

E então?
Então era o dia do jogo entre Portugal e a Coreia no campeonato do mundo de 1966.
Photo: Há indivíduos geniais. Outros são apenas ... mentirosos compulsivos!

Não é que ele aos 9 anos de idade se tornou benfiquista graças ao Eusébio? Ia para escola num célebre dia de 1966 quando Portugal perdia por 3-0 contra a Coreia. Ao chegar à escola ficou radiante porque Portugal tinha dado a volta ao resultado e ganhava por 5-3. É ele próprio quem conta na RTP na peça que segue em comentário.

Precisamos é de mais portugueses como ele para levar o país para... (não me ocorre o termo certo, sorry!). Pois é, já em pequenino ia para a escola nas férias (dia 23 de Julho) e ao Sábado! Imagine-se... Mais tarde veio a dedicar-se ao estudo ao ponto de fazer exames ao Domingo! Um exemplo!
Bolas! Outra vez não!
Quando o pequeno Zézinho, então com 9 anos, saiu de casa para ir à escola, contou ele, Portugal estava a perder por 3-0. Enquanto andava foi ouvindo alegres gritos de «Golo!» pelas janelas por onde ia passando.
Quando chegou à escola ficou muito contente: Portugal ganhava 5-3.

E então qual é a bronca?
Bem...
O jogo entre Portugal e a Coreia, em 1966, teve lugar no dia 23 de Julho, quando os meninos estavam de férias, e, além disso, foi um sábado...

Considerando que Zézinho tinha 9 anos, terá sido o dia em que foi fazer o exame da 4ª classe?

Sem comentários.

URUBUS? NÃO OBRIGADA

Há uma raça de gente que tem vindo a ter um papel crescentemente activo no mundo e aqui, pelo nosso belíssimo rectângulo. A sua influência faz-se notar de forma incontornável; a única fuga possível seria fecharmo-nos em casa sem jornais, televisão, rádio, vizinhos, e mesmo assim...
Refiro-me aos profetas da desgraça, aos arautos da tragédia, aos velhos do Restelo e todos os arredores, aos péssimistas, aos urubus, aos militantes do quanto pior melhor, aos revanchistas, aos que consideram que "se não é como eu quero não há-de ser para ninguém".

É a má notícia que vende, dizem. Talvez... São os desastres que abrandam o tráfego nas estradas, é um facto. Há nos humanos uma necessidade de dramatismo que os leva a querer experimentar o medo, o beco sem saída, o futuro negro. Gostam de contar histórias de desgraça, há mesmo os que se deliciam com filmes de terror. Será um vício em adrenalina? Será a necessidade de sentirem, e mostrarem, que «eles são maus e eu não sou assim»? A questão ultrapassa-me.

2013 foi um ano complicado, é inegável, mas foi um ano mau? Duvido. Duvido pela mesmíssima razão que assiste a uma ida ao dentista: retira-se o dente, limpa-se o abcesso... Dói? Dói, às vezes dói que se farta, assusta, põe-nos tensos dos pés à cabeça mas a manutenção de um dente infectado adoece todo o nosso organismo podendo mesmo matar-nos.

Os profetas da desgraça estiveram muito activos durante 2013, os arautos da tragédia não tiveram mãos a medir. Agora, há que continuar o tão produtivo trabalho e capar a esperança desde os primeiros dias do novo ano.

... Felizmente, no meio desse incansável exército, de vez em quando levantam-se vozes com a capacidade de se fazerem ouvir; ainda que por poucos, ainda que por horas. Renegam essas visões tenebrosas com a força de um fósforo num quarto escuro. É pouco, eu sei, mas por momentos podemos confirmar que não estamos fechados à chave com um monstro, podemos vislumbrar que há uma saída, podemos perceber que os profetas da desgraça, os difusores da tragédia, que ouvimos, que nos prendem a atenção, nos detêm, nos angustiam, nos vão vencendo sopro a sopro, frase a frase.

Pessoalmente, preciso de ir ouvindo essas poucas vozes que nos falam do lado positivo da vida, das coisas, da sociedade - são como lufadas de ar fresco no meio de difusores de podridão - confirmam-me que não sou a única que vê um horizonte para lá do nevoeiro. Não espero por D. Sebastião mas sei que quando o Sol se põe não desaparece da Terra.

A este propósito deixo uma crónica que vale o trabalho e o tempo da ler. Não se trata de uma visão optimista pintada com cores agradáveis, é antes um reflexo que os espelhos embaciados e borolentos se recusam a reflectir.

BOM ANO, cheio de Luz e Esperança viva.
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«O mundo não está assim tão mal, 

e Portugal também não»

JOSÉ MANUEL FERNANDES  - 03/01/2014


«O mundo vai mal. Eis uma frase de que poucos discordarão. E a maioria até acrescentará que Portugal ainda vai pior. A evidência parece tão evidência, que foi assim mesmo que Mário Soares, um incorrigível optimista, titulou o artigo que publicou no último dia de 2013. Mas… e se não for verdade? E se, ao contrário do que é percepção comum, o mundo estiver melhor à entrada de 2014 do que estava à entrada de 2013?

 Eu, que tendo mais depressa a ser um incorrigível pessimista, vou agora ser fiel a um dos meus outros instintos, o de contrariar a percepção comum. Para concluir que esta pode ser profundamente enganadora. A começar por essa ideia de que tudo vai de mal a pior. Irá mesmo? Será que no final de 2013 a humanidade está mais pobre, mais doente, menos culta, menos pacífica? 

 A resposta a estas dúvidas é simples: não, não está. Em 2013 a riqueza média por habitante deste planeta atingiu o seu valor mais elevado de sempre, 12,7 mil dólares. Essa riqueza ficou menos mal repartida do que estava antes, pois o crescimento foi maior nos países mais pobres, o que lhes permitiu aproximarem-se dos países mais ricos. A esperança de vida está a aumentar em praticamente todos os países do mundo, fruto dos avanços da medicina mas também de uma melhor alimentação e de melhores condições de vida. Há mais crianças nas escolas, sobretudo em África e na Ásia, e, imaginem, até há mais jornais a serem lidos. 

 Extraordinários avanços científicos continuaram a fazer recuar as fronteiras do desconhecido e a tornar possível o tratamento de doenças tidas por incuráveis. Tal como produtos inovadores continuaram a tornar acessíveis muitos bens e serviços que antes só estavam ao alcance de alguns. Hoje já há mais indianos do que americanos a usarem telemóvel e em 2013 o total de passageiros a fazer voos de avião chegou aos 3,1 mil milhões, o que corresponde a mais de 40% da população mundial.

 O mundo não é local perfeito, o bem que se deseja para a Humanidade estará sempre um passo além do possível, continua a haver demasiadas guerras, demasiada pobreza, demasiada opressão para que possamos distrair-nos um segundo que seja do esforço por melhorar a vida de todos e de cada um, mas tudo isso não nos deve levar a olhar para o mundo apenas com as lentes da nossa depressão e da nossa ansiedade. 2013 não foi um mau ano e 2014 será melhor para a grande maioria dos seres humanos, e isso é que importa.

 Se algo tem caracterizado a forma como olhamos para a nossa crise é a tendência para carregarmos nos tons sombrios e para procurarmos encontrar sempre o lado mais negativo de qualquer evolução dos nossos assuntos públicos. Lendo o que por aí se escreve e ouvindo o que se diz nas televisões, já ocorreram inúmeras “rupturas sociais”, o país “recuou 50 anos”, a pobreza “está por todo o lado”, a fome tornou-se uma realidade omnipresente e “a desigualdade aumentou” porque, ao lado da “miséria crescente”, “há cada vez mais milionários”. É certo que tem faltado, para tornar este quadro lógico, a explosão social violenta que tantos prognosticaram, mas isso vai ficando por conta dos nossos brandos costumes.

Com maior ou menor compreensão, ou revolta, com as políticas de austeridade, este foi o retrato que todos mais ou menos interiorizaram. E que muito poucos tentaram verificar olhando para as estatísticas. Até que surgiu, esta semana, a perplexidade com alguns indicadores.

O tema apareceu no blogue de Pedro Magalhães, Margens de Erro, num post intitulado “As consequências sociais da austeridade – algumas dúvidas”. Não posso aqui resumir todo o conteúdo desse texto, que é muito interessante e deve ser lido na íntegra, com todos os seus gráficos (http://www.pedro-magalhaes.org/duvidas/), pelo que fico pelo essencial. E o essencial é que Pedro Magalhães, quando começou a recolher dados para comparar as condições de vida nos países mais afectados pela crise com as atitudes dos seus cidadãos face à democracia, deparou-se com números surpreendentes. Números que, como reconhece, “não reflectem bem o que esperava encontrar”.

 Em causa estiveram várias análises comparadas envolvendo seis países (Portugal, Espanha, Grécia, Irlanda, Itália e Chipre): a evolução do risco de pobreza e de exclusão social, a evolução do número de pessoas a viverem em condições de grave privação material e a evolução da desigualdade social. Todos os gráficos apontaram para uma mesma conclusão: enquanto na generalidade dos outros países todos os indicadores sociais se degradaram muito depressa e de forma muito acentuada, isso não estava a acontecer em Portugal pelo menos até 2012, o último ano com dados estatísticos publicados. Daí a perplexidade de Pedro Magalhães: “O que explica que Portugal tenha, pelo menos à luz destes indicadores, escapado ao mesmo grau de aumento da pobreza e da privação material que se verificou nos restantes países, ou que as consequências em termos de desigualdade de rendimentos tenham sido mais graves em Espanha, Grécia ou até Itália?” Será que “as nossas políticas de austeridade foram mais ‘targeted’ de forma não afectar tanto os segmentos mais desfavorecidos, em comparação com os outros países da ‘austeridade’?”

Este texto suscitou um interessante debate na blogosfera, com outros autores a sugerirem deficiências nos indicadores utilizados – deficiências que de facto existem, mas não explicam tudo – ou a adiantarem algumas explicações possíveis. Infelizmente não dei por o debate ter chegado à comunicação social tradicional, o que é pena, pois estou certo que muitos ficariam tão surpreendidos com aqueles dados como ficou Pedro Magalhães.

 Julgo que uma parte da surpresa tem origem na forma enviesada e pouco objectiva, mas muito melodramática, como temos noticiado e comentado a nossa crise e a nossa austeridade. Na verdade o que aqueles dados parecem indicar – e sublinho o parecem por uma questão de rigor e honestidade intelectual, pois faltam elementos para 2013, o nosso ano mais difícil – é que os “cortes” afectaram em Portugal sobretudo as classes de rendimentos médios ou mais elevados, o que fez diminuir o rendimento disponível mas não afectou de forma dramática os rendimentos mais baixos. De resto basta lembrarmo-nos que os cortes salariais e os cortes nas pensões foram progressivos e que, no caso dos reformados, mais de quatro em cada cinco, os mais pobres, não viram sequer o seu rendimento afectado, para suspeitarmos que esses dados reflectem afinal escolhas de políticas públicas.

 Mesmo assim, como há outros factores que influenciam, e muito, a evolução de indicadores sociais como os referidos por Pedro Magalhães, o principal dos quais será o desemprego, é cedo para podermos responder às questões que coloca, em especial a de saber se a nossa austeridade foi ou não melhor calibrada do que a de outros países da Europa do Sul. Mesmo assim fica a evidência contra-intuitiva de que as coisas não terão corrido tão mal como se tem proclamado. Ou como esperaria quem apenas ouvisse as queixas de quem sofreu os cortes e nos quis fazer crer, porventura até com a melhor das intenções, de que a sua razão de queixa não era em causa própria mas em nome de quem está no fundo da escala social. 

 Nada disto transforma num mar de rosas a situação que vivemos, apenas ajuda a ser-se mais objectivo e rigoroso. Nada disto nos salvou do difícil ano de 2013, ou salvará de um 2014 que continuará a ser difícil. Mas tudo isto ajuda-nos a perceber melhor essa outra realidade que também começou a surpreender-nos na segunda metade do ano passado, a viragem na evolução do desemprego e nos principais indicadores económicos. Ou seja, há um retrato que se compõe e que nos permite ser um pouco menos pessimistas. Aproveitemo-lo. »

 Jornalista, jmf1957@gmail.com