A Sandra

A Sandra é a minha Amiga-Irmã, a minha Irmã-Amiga.
Nasceu na fronteira entre a Estremadura e o Ribatejo, numa terra de praias e campos, frutas e doces, águas termais e vinhos antigos. Talvez por isso é uma mulher acre e doce… Tenho a sorte (e não será só sorte…) de ter sempre sentido o seu lado doce. Doce frutado, muito longe do enjoativo, do lamechas, da pieguice.
Conheci-a quando, acabadinha de chegar à Capital, poucos dias depois de ter completado 18 anos, veio para fazer a sua licenciatura.
A primeira vez que a vi estava a refilar – e quase posso ouvir o coro de vozes de quantos a conhecem responder-me maliciosamente: “Tinha de ser”. A Sandra não se cala (nunca).
Despertou-me, em muitos aspectos.
Despertou-me a forma arreigada e convicta como falava. Despertou-me a sua sociabilidade e um imenso carácter que resplandecia.
Despertou-me também uma sincera vontade de a conhecer, profundamente.
Sugeri-lhe que deixasse a funcionária da secretaria em paz e que descêssemos ao bar para tomar um café. Prometi-lhe que resolveria o problema que tanto a injustiçava. Ela acreditou em mim e nunca mais deixou de o fazer.
Continuei a encontra-la diariamente na universidade e depois de alguns dias “tomei-a” como minha irmã mais nova.
Estávamos em 1989/90 – os dias eram cheios de correrias e de calmas ensolaradas, de conversas de chorar a rir e, por vezes, das outras. Falávamos de pensamentos e de sentimentos, de livros e de histórias, de acontecimentos e de absurdos. Não íamos às compras juntas mas passeávamos por sítios bonitos. E é claro que os dias corriam para a noite e as noites eram compridas, cheias de coisas boas e más; não se “soprava no balão” com a regularidade com que acontece agora – as ruas cheiravam a álcool, o “extasy” entrava nas “raves” pela porta da frente. “Curtir” tinha deixado de significar “divertir” e tinha passado a ser sinónimo de “ir p´rá cama” (ou para qualquer outro local mais a jeito). Por outro lado era ainda razoavelmente seguro andar por aí às tantas da manhã e a verdade é que nos era fácil divertirmo-nos sem chatices desde que soubéssemos onde pôr, e não pôr, os pés e estivéssemos atentas aos sinais de abandonar o local… ou a conversa de chácha.
A Sandra passou a ter duas casas em Lisboa, a dela e a minha.

Estivemos sempre ao lado uma da outra durante todos estes anos em tudo o que isso acarreta – conhecemos as alegrias e os momentos sombrios recíprocos com a profundidade que permite tocar o âmago da alma – sem mentiras, sem traições, sem preços, respeitando a intimidade, o silêncio, as fronteiras, as omissões e as distâncias. Os dez anos, que à partida existiam entre as nossas vidas, foram-se atenuando: ela, usando a sua excelente cabeça, a sua capacidade de observação e a sua sensível intuição, amadureceu saudavelmente sem os engulhos de uma “classificação etária”; eu, por atitude e por feitio, mantive a “cabeça aberta” à imparável evolução das mentalidades e das vivências.
Há uma coisa estranha relativamente a nós: aparentemente conhecemo-nos há mais tempo do que as nossas, jovens, idades permitem. Ainda que, cautelosamente, eu acredite que – a amizade é eterna… enquanto dura – tudo me leva a crer que manteremos esta abençoada relação durante mais tempo do que o destinado a esta vida. Assim seja.





E agora, se me dão licença, vou-me embora para jantar com a Sandra que completa hoje mais um aniversário e está, mais do que nunca, de parabéns… ela, mulher lutadora e corajosa, bem sabe por quê.

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