Desde que nos conhecemos, se somasse os dias em que não nos vimos, creio que não ultrapassaria uma semana. Durante os primeiros dois anos e meio estávamos juntos praticamente durante todo o dia, todos os dias.
Nunca nos fartamos, nunca nos zangamos, nunca nos sentimos desiludidos ou traídos. Por vezes temos de ter paciência um com o outro mas quem não tem? Uns amuos dele, umas refilices minhas, nada mais do que isso.
Foi um amor à primeira vista perfeitamente mútuo e tornamo-nos inseparáveis.
Inseparáveis, sei do que falo.
Os filhos crescem e levantam vôo;
Os amigos são eternos enquanto duram e, os que duram, cruzam caminhos, emigram, casam, estão ocupados, estão longe, enfim... todos vamos vivendo as nossas vidas.
Amigos inseparáveis é uma memória de infância, de adolescência, mas raramente uma realidade madura.
Quanto aos amores que são para sempre... ou são unilaterais, cheios de esperança ou mero romantismo, ou são viúvos, de resto são como o totoloto: saem de vez em quando a alguém com uma sorte em milhões.
Não estou, obviamente, a pôr em causa a autenticidade do amor e da amizade nem a ignorar o companheirismo, a cumplicidade ou o compromisso; estou a referir-me ao facto de poucas vezes podermos adjectivar uma relação com um "inseparáveis" honesto e em consciência.
E por falar em honestidade e em consciência, disse há pouco que o nosso foi um amor à primeira vista perfeitamente mútuo. É quase verdade. É amor, foi à primeira vista e é mutuo, mas não perfeitamente mútuo, em boa verdade devo reconhecê-lo.
Para ele, eu estou acima de tudo e de todos, sem uma dúvida ou hesitação. Sei que daria a vida por mim sem vacilar ou temer, como a daria pelo meu filho, que chegou bem depois dele e , ele bem sabe, me é incomparavelmente mais precioso.
Temos sido bons companheiros, temos feito um sem número de coisas juntos, que gostamos de fazer juntos, às vezes com amigos, muitas vezes sós. Fomos juntos trabalhar, a jantares, a festas, em viagens, em férias e fins de semana, eu sei lá mais o quê. Choramos juntos e brincamos juntos, ficamos em casa nas tardes de chuva e passeamos à chuva pelo campo para sentirmos o cheiro da terra molhada. Entendemo-nos perfeitamente; a maior parte das vezes basta um olhar, uma expressão que muda, um movimento da cabeça. Os melhores momentos passamo-los fazendo coisas bem simples mas inesquecíveis - banhos na praia, passeios de carro com o vento a cantar-nos aos ouvidos ou a mera partilha de um frango assado com sabor a festa e a amizade.
É um pouco possessivo, nada demais. Ciúmes, sempre os soube guardar para si e, talvez, remoe-los em silêncio, sem cenas tristes ou maus modos. A sua paixão é por vezes um pouco excessiva na ansiedade em me rever, na pressa em que eu volte... Na verdade conheço casos bem piores, ele pelo menos sempre me recebeu com boa disposição e a sua surpreendente doçura. Sei que pode ser assustador, o que já por diversas vezes me deu um jeitaço mas nunca esta sua veia mais protectora deu problemas ou dissabores. Às vezes, quando o vejo lidar com os seus "rivais" mais directos, chega a enternecer-me, pela paciência, pela calma, até pelas palhaçadas que faz para esconder o seu pouco à-vontade com a situação. Sempre aceitou os meus amigos como seus, alguns porque são também os seus amigos mas outros apenas porque eu sou amiga deles, e ponto.
Tem uma firmeza de carácter, uma lealdade e um bom feitio invulgares. Já tenho comentado nas suas costas "Este tipo é santo...". Sei que não é. Sabe ser safado, teimoso e ter convenientes ataques de surdez passageira... Sabe fazer coisas que me chateiam quando o contrario ou o deixo só durante mais tempo do que considera razoável. Mas sabe olhar-me de uma forma como nunca ninguém me olhou, sabe derreter-me o coração e fazer-se perdoar seja do que for - porque não há nele vestígio de maldade.
Escrevo hoje sobre ele porque preciso, porque tenho de deixar sair todos estes sentimentos que trago comigo há tantos anos e agora me inundam a cada vez que o olho. Tenho de deixar extravazar as já quase saudades, a indiscritivel ternura que pousa em mim vinda daquele seu olhar ainda muito vivo, traído por um coração já demasiado grande.
Sei que nos resta pouco tempo juntos para retermos longamente o olhar um do outro. Só olhando, sem palavras.
Escrevo hoje, assim à laia de carta de amor, porque sei que dentro de pouco tempo serei incapaz de o fazer sem que isso se transforme num exercício de masoquismo e auto-comiseração.
Escrevo hoje e virei menos aqui ao blog antes da sua partida; o tempo é curto e não quero gasta-lo sentada frente ao computador a passear as mãos pelas teclas. Vou sentar-me no chão ao seu lado, por a sua cabeça no meu colo e falar-lhe das histórias boas que vivemos juntos. Sei que o tempo não chegará...
Valeu a pena esta insónia. E quase às 6h da manhã, já sem saber o que fazer, ter vindo aqui.
ResponderEliminarLi e reli.
"Assim, à laia de carta de amor...", escrito com a alma à flor da pele...
Os filhos crescem, levantam vôo. O teu é um privilegiado. Pela Mãe que tem.
É uma ligação especial. Quem gosta muito de animais nem precisa de palavras para entender o que sentes, quem gosta assim-assim percebe-te e sabe que existem os animais em geral e o nosso cão (ou gato) que é «aquele» o «único». Os que não gostam - também os há - parece uma conversa exagerada.
ResponderEliminarPara esses só posso dizer que não sabem o que perdem... Perdem mais do que tu vais perder quando ele cá não estiver. Todo um mundo de amizade e ternura que descreves aqui tão bem.
E é espantoso, como quando chega uma criança que poderia despoletar muitos ciúmes (eles eram 'filhos únicos') na maioria das vezes esse nosso rebento é aceite por eles como sendo uma parte de nós, e como nos amam amam-no a ele também. Fascinante.
E o Merlin, que podia realmente ser assustador pelo tamanho, é afinal um ser tão tolerante e com tão bom feitio que como nas histórias de crianças só intimida «os maus».
Linda carta...
ResponderEliminarSei bem pelo que estás a passar. No meu caso foram 18 anos de companheirismo... Muito se partilhou!!!
Quando os acolhemos sabemos que não são eternos, que esse dia chegará.
O meu consolo foi que a situação não tivesse sido ao contrário, que não tivesse sido eu a ir primeiro pois certamente ela não conseguiria sobreviver ao desgosto...
Não há grande coisa a dizer, grande consolo a dar, a dor tem ir passando com o tempo, por si só, até se transformar simplesmente numa quente recordação.
Lamento que estejas a passar por ela...
Um grande beijinho com um abraço muito forte e apertado.
C
Não posso comentar; não quero - e não consigo - falar sobre isso... penso que compreenderás, como já antes compreendeste...
ResponderEliminar... estarei aqui... ou aí... ou onde quiseres que esteja, agora... amanhã...
beijo
Queridíssimo Artur,
ResponderEliminar"quase às 6h da manhã, já sem saber o que fazer..."???????? Grande insónia mesmo... Eu costumo tomar um duche quentinho, fazer uma sanduíche tipo "alarve", pintar um cenário agradável na minha mente e normalmente a coisa pega... Arrumar gavetas dá uma soneira do caraças, sobretudo se for de roupa.
Deixando a tua insónia e pegando nas tuas palavras...
Obrigada. Obrigada.
Conto conseguir ir amanhã ao "Jantar" (a menos que alguma coisa grave se avizinhe mas creio que ainda não estamos aí...) e, assim sendo, vou dar-te o longo abraço que tenho, neste momento, vontade de te dar.
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Emiele,
Quando o LR nasceu o Merlin tinha 4 anos e, como sabes, vivíamos só os dois. Nessa altura tive de pôr a hipótese de, ao menor sinal de ciúmeira, ter de me separar do cão.
Se eu já gostava do Merlin passei a gostar para além do que poderia imaginar; a respeita-lo de uma forma completamente diferente. Ele adoptou de imediato aquele bebé e, ao menor ruído que viesse do berço, saltava para cima da minha cama em tremenda aflição. Ou seja, as curtas duas horas que eu tinha para dormir entre as fomes do LR eram cortadas em fatias pelas ansiedades protectoras do Merlin.
Tenho plena consciência de que todo este meu extravasar emocional será absolutamente desproporcionado aos olhos de quem não tem, ou nunca teve uma ligação forte com um animal. Sabes que mais? Estou-me completamente nas tintas. Posso até dar uma bem intelectual e responder que "Se as cartas de amor não fossem ridículas não seriam cartas de amor". Quem eu amo é da minha conta. Ridículo é reconhecer em alguém faltas graves e dizer com ar de idiota: "MAS eu gosto dele/a...
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CR,
Obrigada. Sei que sabes.
Verdadíssimo o que dizes: pobre do cão que sobrevive ao seu dono.
Estou triste, claro, mas estou sobretudo muito preocupada – tenho imenso medo de não me aperceber do momento em que esta situação passe de um "aproximar do fim" controlado e calmo para uma situação de esforço injusto e de sofrimento. É a esse momento que estou atenta, permanentemente, e que pretendo evitar. Por agora cuidados, remédios e carinhos.
Fico com o teu abraço que me sabe bem.
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Minha irmã,
Pois não é a primeira vez que passamos por uma situação semelhante, juntas.
Depois..., vem um dia como aquele em que fomos buscar o Merlin, juntas...
Que te posso dizer? Ainda não estamos "lá". Vem ver o teu Merlin sempre que te der na gana... pois, mas isso já tu sabes. Nada mais a acrescentar
Carlos,
ResponderEliminarObrigadíssima pelo teu telefonema.
Sei que me ententes perfeitamente e isso dá coragem e companhia. É tudo o que preciso.
Alex,
ResponderEliminarExistem duas coisas que me "abanam", são os miúdos e os amigos de quatro patas, por variadissimas razões, que não cabem num mail... e eu não as saberia explicar. Estão cá dentro...
Quando o Klaus partiu na sua viagem o Pedro era ainda muito pequeno, ficou muito triste, e a minha mãe confortou-o dizendo que o seu amigo já estava muito velhinho e ia descansar para o céu, ia deixar de ter dores nas patinhas, etc. etc.
Registou a informação.
Numa manhã, numa tarde ou numa noite em que eu estava com a orelhita mais murcha, com saudades do canito, sentou-se ao pé de mim e nos seus poucos anos de vida disse-me da maneira mais simples deste Mundo(e de certeza do outro) que eu não deveria estar triste porque o Klaus agora era um anjo que esta no céu... e de lá, e porque é muito alto, vê tudo e guarda-nos... toma conta de nós. Sim, porque os anjos, são anjos-da-guarda e têm de tomar conta de nós, não é mãe?
Bjocas Grandes
Alexandra, Pedro e claro o Ben Barack
Minha querida Xana,
ResponderEliminarCopiei aí para cima o teu e-mail porque sei que te vem de fundo e porque, como compreendes, estou certa, uma das preocupações que tenho neste momento é o enorme desgosto que o LR irá passar; eu passei por isto quando tinha dez anos.
Quis ficar com a história que contas, quis guarda-la e pareceu-me ser aqui o sítio certo. Perdoa o "abuso"
Obrigada.
O teu power-point "lamechas", como tu dizes, vem bem ao encontro daquilo que eu sinto e penso. Se há anjos-da-guarda visíveis na Terra são sem dúvida os cães. Quem não entender isto entende muito pouco do que anda por cá a fazer.
Beijo grande aos 3.
Minha muito querida Xana. Nem preciso escrever ou falar desse AMIGÃO patudo porque sabes bem o que sinto e o que representa para mim. O que escreveste veio do coração e sou testemunha desse "AMOR", que existe entre vocês. Fico por aqui. O resto do que sinto, sabes que está cá dentro.
ResponderEliminarBeijos grandes
Sei sim João, sei eu e sabe o Merlin, o teu fan nº1. Dias difíceis estes...
ResponderEliminarAlex
ResponderEliminarAproveita e goza com ele o tempo que resta, mas lembra-te quando tudo passar que recordar é viver.
Um beijinho muito grande para ti se o teu cachorrão deixar, claro. E uma festinha na peitaça dele.
É o que eu estou a fazer Pinoka, já não dá para as passeateas que ele tanto gosta mas há muito tempo que não passavamos os dias inteiros juntos; creio que isso lhe é insubstituível.
ResponderEliminarObrigada pelo teu beijinho, a festinha na peitaça vai ser entregue já de seguida.