22.11.2010 - Lusa
«O Arcebispo Primaz de Braga, D. Jorge Ortiga, pediu aos sacerdotes da Arquidiocese que prescindam do salário de um mês e aos cristãos de um café por dia e que a respectiva verba seja depositada no “Fundo Partilhar com Esperança”.»As suas palavras:
“Sabemos que muitos aceitarão a proposta que deveria chegar a todos os residentes na paróquia mesmo que não sejam crentes ou praticantes. Outros levantarão dúvidas ou criticarão a iniciativa”Li e calou em mim. Profundamente.
“Trata-se de colocar em questão este modelo económico e acreditar que a solidariedade tem capacidade para dar dignidade a todos. Na partilha os sacerdotes não podem colocar-se de lado”.
... “prescindam de comer, beber ou usufruir de coisas não necessárias e com isso possam contribuir para assistir aqueles, que cada vez mais, não têm o mínimo para sobreviver”.
“Cada um escolheria um dia, por semana, para efectuar jejum daquelas coisas que não são absolutamente necessárias (um café, menos tabaco, um bolo, uma refeição frugal, prendas de Natal menos caras e mais significativas)”
Referiu que, com esta atitude, “os cristãos terão algo para partilhar e entregar na paróquia, numa caixa colocada para o efeito, e o pároco indicaria no dia da Sagrada Família, 26 de Dezembro, o total recebido”.------------------------------------------------
Sou individualmente avessa às caridadezinhas. Obviamente que não o caso. Obviamente que se trata de um homem que, no seu dia a dia, pela sua posição e pelo exercício da sua profissão, constata, melhor dizendo, se vê a braços com situações com as quais não consegue lidar em paz de espírito.
Muitos de nós, em particular aqueles que quotidianamente se encontram face a face com necessidades reais, urgentes, de uma injustiça gritante, sentiremos aflições semelhantes.
Depois... Depois a vida continua e pensamos que nada podemos fazer, a vida é assim, a vida às vezes é madrasta.
É verdade, às vezes a vida é madrasta, e é inegável que diminuem os filhos aumentando assombrosamente os enteados.
Nada se pode fazer? Talvez não. Ou talvez seja a nossa perspectiva que, honestamente, nos deixa convencidos de que nada podemos.
Não se trata de salvar o mundo. Não se trata de salvar o país, nem a cidade.
Talvez nem nos passe pela cabeça que o nosso café, o nosso jornal, o copo ao fim da tarde, etc, possam de facto ter peso para minorar uma envergonhada desgraça que respira mesmo ali ao lado. Infelizmente pode de facto ter peso, desgraçadamente pode.
É difícil, é complicado, como se chega até lá? Não sei, não tenho essas respostas. Mas talvez seja possível superar as dificuldades e saltar os aparentes óbices.
Talvez valha a pena pensar nisso.
O Arcebispo de Braga fê-lo. Bem haja.
“A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente…(…) Não se pode ordenar: “Seja solidário!”
A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam… ” (Rubem Alves)
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