Sem quaisquer comentários, absolutamente desnecessários,
sobre um artigo que é uma fonte jorrante de informação
José Manuel Fernandes
no "Macroescópio" do Observador - 19 Out.2016
Esta segunda-feira participei numa conferência com Luís Amado (que foi ministro da Defesa e ministro dos Negócios Estrangeiros em vários governos do PS) para debater o mundo com que António Guterres terá de lidar como secretário-geral das Nações Unidas. Até entrar no auditório da AESE Business School, que organizava o encontro, eu julgava ser uma pessoa especialmente pessimista – sobretudo pessimista quando, olhando para o mundo perigoso em que vivemos, procurava pensar sobre o nosso futuro comum. Bastaram-me alguns minutos a ouvir Luís Amado para perceber que, se calhar, sou afinal um optimista. É que nunca ouvira ninguém dizer, preto no branco, que atravessamos aquele que é, provavelmente, o período mais perigoso para as relações internacionais, e para a paz no Mundo, desde o fim da II Guerra Mundial. Não vou aqui resumir os argumentos desenvolvidos nessa conferência, antes parto da simples constatação desse pessimismo para vos sugerir algumas leituras que, não sendo apocalípticas, suscitam suficientes inquietações para que deixemos de olhar apenas para o umbigo das nossas discussões domésticas e demos alguma atenção ao que se passa em redor. E também à circunstância de encontrar cada vez mais pessoas que, nos mais diferentes órgãos de informação, falam em “regresso aos anos de 1930” ou mesmo em “III Guerra Mundial”.
Um dos centros das tensões que cruzam o nosso planeta é, como tem sido nas últimas décadas, o Médio Oriente. Só que agora a zona de maior fricção deixou de ser a gerada como conflito israelo-palestiniano para passar a ser a complexa guerra civil – ou guerras civis – que têm vindo a destruir a Síria e o Iraque. Por isso a minha primeira sugestão de leitura é um texto da Spiegel, Battle for Aleppo: How Syria Became the New Global War, onde se coloca a questão que não pode deixar de ser colocada: “Could escalation between Moscow and Washington be on the horizon?”Eis alguns dos sinais inquietantes da actual escalada: “Because Russia is taking part in Assad's air strikes on civilians, the US last week withdrew from all peace talks. In response, Russia pulled out of a deal for the disposal of surplus weapons-grade plutonium -- which can be seen as an indirect threat to use atomic weapons.” Quanto à situação em Aleppo, esta ilustração da mesma Spiegel é bem ilustrativa da forma complexa como se alinham as diferentes frentes de batalha:
(Se não virão ainda, não deixem de ver este pequeno video, legendado pelo Observador, bem revelador do grau de destruição de Aleppo e que foi filmado por uma câmara instalada num drone.)
Na Spectator, Paul Wood vai directo à interrogação com que abri esta newsletter: Could the conflict in Syria lead to world war three? Relations between America and Russia are now worse than at any time since the Cold War. Misto de reportagem e análise, é um texto que parte do drama de Aleppo, a cidade mártir, para depois discutir as diferentes hipóteses de intervenção dos Estados Unidos e chegar à conclusão que “The Russian military has now announced that it is sending a battery of the S300 air defence missiles to Syria. This is not world war three, but it is starting to look like a new Cold War. Hillary Clinton’s no-fly zone rests on the belief that Vladimir Putin will deflate like a punctured balloon when challenged. But what if he does not?”
Vale a pena falar um pouco mais desta tensão e, também, do que representa e do que prossegue Vladimir Putin. No Washington Post George F. Will tem uma leitura sombria: Vladimir Putin is bringing back the 1930s. Duplamente sombria: “In many worrisome ways, the 1930s are being reprised. In Europe, Russia is playing the role of Germany in fomenting anti-democratic factions. In inward-turning, distracted America, the role of Charles Lindbergh is played by a presidential candidate smitten by Putin and too ignorant to know the pedigree of his slogan “America First.” Para sustentar o seu ponto de vista este colunista cita por diversas vezes um livro que também recomendo e cujo título diz (quase) tudo: “Authoritarianism Goes Global” (edições da Universidade Johns Hopkins). Um
Um dos editores deste livro é um académico conhecido pelos seus estudos sobre a democracia, Larry Diamond (os outros são Marc F. Plattner e Christopher Walker), pelo que sigo para um texto deste autor hoje publicado na The Atlantic: It Could Happen Here. O “aqui” são os Estados Unidos e o que podia acontecer é um solavanco na democracia, e logo na democracia que tem servido como referência de solidez, resiliência e respeito pela Constituição. O autor parte das tensões criadas pela candidatura de Donald Trump sublinhando que “Democracies fail when people lose faith in them and elites abandon their norms for pure political advantage”. De facto, como se escrevia num outro trabalho da The Atlantic, Democracy Depends on the Consent of the Losers e aquilo que Trump tem vindo a dizer a que pode não aceitar facilmente uma derrota nas urnas.
Mas nem sequer é necessário que o candidato republicano abra uma crise constitucional para que os próximos meses criem um relativo vazio de poder no que toca à capacidade de acção dos Estados Unidos. É isso mesmo que sublinha Gideon Rachman, do Financial Times, em A distracted America in a dangerous world: The next three months will be a perilous time from Mosul to the South China Sea. Depois de analisar com as diferentes crises podem evoluir até um novo Presidente dos Estados Unidos tome posse em Janeiro de 2017, o autor olha criticamente para o legado de Obama: “As Mr Obama prepares to pack his bags in the White House, he may look back wryly at the foreign-policy goals that he set eight years ago. There was to be a “reset” that would lead to better relations with Russia. There would also be a new and closer working relationship with China. And there would be an end to war in the Middle East. None of those policies has come to fruition. Instead, Mr Obama will be fortunate if he can negotiate his last three months in office without presiding over a major international crisis.”
No Wall Street Journal é-se ainda mais crítico no que se refere à política síria desta Administração, escrevendo Daniel Henninger que Aleppo Is Obama’s Sarajevo. É um texto ácido: “We will wait for Mr. Obama’s memoirs to discover the moral calculus behind his abandonment of Syria’s rebels. We suspect the math will go something like this: I spent all my political capital on the Iran nuclear deal, forestalling a long-term apocalypse in return for the near-term disorders in the region. Well, the world has paid a high near-term price—in cash, security and moral capital—for one nuclear deal with Iran. That includes Aleppo.”
Dir-se-á: mas temos Mossul. Ao menos de lá vêm notícias mais optimistas, o Daesh está finalmente na defensive, a coligação com o apoio dos Estados Unidos já está nos subúrbios dessa importante cidade. O Observador já procurou clarificar o que está em causa num Explicador preparado pelo Miguel Santos – À reconquista de Mossul. O que está em jogo? – e a Economist, na sua coluna The Economist explains, era clara: Why the battle for Mosul is a turning point. É um texto que nos recordava a importância estratégica que a cidade sempre teve ao longo dos milénios: “Ever since Sennacherib made the city his capital in 700 BC, whoever ruled it has dominated the region—be they Assyrians, Babylonians, Arabs, Ottoman sultans or the British empire. It remains strategically important in the 21st century: regional powers regard a post-IS Mosul, if not as a jewel to conquer, at least as a place to deny to rivals.”
Contudo é prudente não lançar foguetes antes de tempo. Mosul will be liberated, but Iraq’s future hangs in the balance, escreve David Gardner no Financial Times. A questão que o autor levanta é que o Iraque continuará a ser um país fragmentado e toda a região continuará instável e dividida por conflitos sectários mesmo que se consiga expulsar os jihadistas de Mossul. Em síntese: “The territory of Isis’s vainglorious caliphate is being eaten away. It will lose Mosul. But until the issues of how to govern liberated territories and protect their inhabitants are properly addressed, a jihadi organisation that can combine a range of tactics from regular warfare to terrorism will still be able to change shape and survive.”
Peço desculpa por hoje estar a regressar muitas vezes ao Financial Times, mas como este Macroscópio já vai relativamente longo e apenas aflorámos alguns dos factores da actual instabilidade a nível global, queria acabar por hoje com uma referência a Philip Stephens e ao seu texto How the west has lost the world. É uma síntese interessante de como o mundo tal como o conhecemos pode estar a acabar e, sobretudo, sobre como a nova ordem (ou desordem) mundial já não será construída em torno do Ocidente. Em síntese: “The world is at a hinge point. The post-cold war settlement, organised around unchallenged US power, western-designed global institutions and multilateral rules and norms, has been eroded. The rule of power is chafing against the rule of law, nationalism against internationalism. Some think that the simple fact of economic interdependence will save the day — conflict would throw up only losers. But the dynamic can operate in the other direction. It is no accident that the International Monetary Fund’s latest annual report cites political risk as the biggest threat to the world economy. The liberal economic system depends above all on global security order.”
Tempos perigosos, tempos de decisões difíceis, tempos em que sentimos que deixámos de conhecer as regras do jogo. Luís Amado mostrou-se, repito, muito pessimista na sua conferência na AESE, e nela tocou em muitas outras frentes para além das referidas neste Macroscópio. O leitor fará o seu juízo, mas asseguro-lhe que folhear a imprensa internacional não nos deixa com vontade de festejar.
Tenham bom descanso e boas leituras.