AMÉRICA, AMÉRICA...


Quando, em Agosto de 2017 vi as imagens da manifestação nazi calei fundo uma sensação de horror; não tanto pela manifestação, há hominídeos desses, já se sabe, mas por ser na América...
Não seria preciso recuar uma década para que tal atrevimento não fosse possível; em 2017 nem foi atrevimento, foi a manifestação de uma raiva cega, ignorante e crescente que se sentiu liberada pelo poder vigente. 
E foi chocante, suficientemente chocante para que a "parangona" não se repetisse mas atrevimento não foi. 
O presidente da América, o tal que gostava, e gosta, muito da demoníaca criatura que diz que « é preciso combater o regime nazi da Ucrânia», apressou-se a afirmar que se tratava de "Very fine people on both sides"
Mas pronto, Trump deixou a presidência, mesmo berrando e esperneando que ganhou as eleições, mesmo com o absurdo 6 de Janeiro de 2021, e outros numerosos e variados absurdos, foi à vida (com centenas de documentos secretos debaixo do braço) e as probabilidades de voltar caminham a bom passo para um nível nulo

E depois? E Agora? 
Como se garante o encaminhado percurso para um sucedâneo de conservadorismo bacoco  (que nem Conservadorismo é) ?  

Como se mantêm as garantias de impostos baixos ou mesmo nulos ao 1% de Wall Street que tão amavelmente contribui para a estabilidade económica de uns quantos gajos que lhe presta vassalagem?
(A título de mero exemplo, a Amazon - entre muitos outros - não pagou 1 só dolar em impostos após a legislação trumpista entrar em vigor.  Mitch McConnell, que era o "vassalo de serviço" perdeu o seu lugar de Speaker do Senado, houve que colocar outro guarda-freio como Speaker do Congresso e, após 15 voltas eleitorais e cedências inomináveis, lá subiu Kevin McCarthy com a falta de vergonha estampada na cara;  na noite de 6 de Janeiro de 2021 responsabilizou e condenou Trump pelo ataque ao Capitólio; depois pensou melhor e foi até Mar-a-Lago beijar a mão ao padrinho)

Como se dá continuidade à assombrosa ignorância e credulidade obsessiva de quem só ouve, e repete, o que um exército de propagadores de mentiras deslavadas e disseminadores de medos ruminam continuamente?

A coisa começou pelos livros 
(a coisa começa sempre pelos livros)
Foi assim em Alexandria, foi assim em Florença, foi assim na Alemanha, foi assim em Sarajevo, foi assim por todo o lado

A  América -  land of the free and the home of the brave - está a viver tempos culturalmente medievais e, como sempre, tempos socialmente medievais se seguem já bem de perto, já viraram a esquina

Na América... Quem diria? (Quem se segue?)

Agora censuram-se livros nos Estados republicanos
Nas livrarias, na escolas - particularmente nas disciplinas de História. Desde há meses que raro é o dia em que não é acrescentada a lista de "Livros banidos"

Há cerca de um mês no Congresso do Estado do Missouri foi aprovado um pacote de leis sobre a forma como os congressistas se podem vestir; no que diz respeito às fatiotas masculinas nada foi alterado mas as mulheres estão proibidas de ter os ombros descobertos e braços à mostra. Os ombros??? Os braços??? Nem à rainha de Inglaterra passou tal "vitorianismo" pela cabeça. E calças justas, nada de calças justas! Atenção aos decotes, nada onde se atravesse uma mão fechada.  Saia mais de dois dedos acima do joelho esta fora de causa, obviamente.
Eu percebo que o Congresso não é a praia nem uma esplanada mas, que diabo, não tem de ser um patriarcado, todos/as os/as congressistas são maiores e vacinados. Felizmente nada foi legislado sobre congressistas com amantes, que se metam nos copos ou quaisquer outras situações condenáveis pelo verdadeiro e puro pater familias. Não sei se mais algum Congresso estatal, ou outro orgão de poder seguiu esta notável iniciativa mas não me espantaria nem me espantará

E depois apareceram várias propostas legislativas para banir ou restringir drasticamente as pilulas anti-concepcionais. Melhor, algumas das razões apresentadas são de bradar aos céus entre elas: é desnecessária porque o relacionamento sexual só deve existir entre um casal unido pelo matrimónio... É um adjuvante da imoralidade e promotora de relações entre sujeitos não casados... E, a minha favorita, a propagação de estrogênios nas águas que está na origem do aumento da homossexualidade

Tudo isto pode parecer fait divers irrelevantes... 
Não é.
As consequências estão à vista.
E o maior dos problemas é que o que se passa na América não fica na América. 
De 2015/16 em diante vimos espalhar-se como uma praga a normalização da anti-ética, da ilegalidade, da indignidade. Até na Inglaterra, que é a Inglaterra, os ministros admitem que mentiram e não se demitem, nem são demitidos; o ex-primeiro-ministro assume que mentiu ao parlamento (ao povo portanto) mas  "não sabia que estava a mentir" (nem sabia que foi a sua própria festa de aniversário no Nb10)

Esta semana os media do mundo relatavam com estupefacção que a diectora de uma escola pública  na Flórida foi forçada a demitir-se porque, 
durante uma aula dedicada à arte Renascentista, mostrou aos alunos, com 11 e 12 anos, fotografias da estátua "David" de Michelangelo , 
Um pai queixou-se de que as crianças estavam a ser expostas a pornografia, outros dois pais concordaram e exigiram ser notificados previamente sobre o conteúdo das aulas de arte.
(Pergunto-me quanta ocultação e culpabilização são necessárias para ver pornografia na mera nudez e, mais estranho, em representações de arte renascentista. A questão, para o caso é irrelevante mas não deixa de ser... Como direi? Perturbadora? ) 

Posto isto... Que mais se pode dizer? 
Renascimento? Só das trevas
que é para não se ver nada
Nada mesmo,
o que for relatado basta

E é preciso inventar rapidamente uma forma de proíbir o raciocínio, é altamente subversivo

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