O "ÍNTIMO E PESSOAL" E O "PRINCÍPIO ENTRÓPICO"

Ultimamente mais de uma ou duas pessoas me disseram que faz tempo que não publico por aqui nada de pessoal, nenhum daqueles "posts" que na "Blogoteca" do Real Gana, aí do lado direito, se encontram sob as etiquetas "Sobre mim", "LR", "Os meus amigos", "Caminhos", "Pensamentos" e talvez outras de que não me lembro de momento e não vou agora à procura.

Pois eu sei, é verdade, não estou distraída. Há várias razões pelas quais isso acontece ou, talvez melhor dizendo, não acontece.

Primeiro, a grande maioria das vezes que escrevo sobre questões pessoais, faço-o porque aquilo de que falo não se prende exclusivamente comigo; aspectos da vida, da amizade, das relações humanas e sociais, conversas que presencio, etc., que reflectem e se prendem com a vida de todos nós, dos amigos aos filhos, dos sentimentos às recordações, do maravilhamento à indignação, e tudo o resto que nos faz humanos.

Depois, mais raramente, escrevo sobre, e para, os meus amigos ou pessoas que passam pela minha vida. Faço-o para eles, meus amigos, e para mim, deixando uma marca expressa daquilo que até então era apenas sentido e recordado. Pela mesma razão escrevo sobre e para o meu filho, para que fique escrito, para que ele venha a ler, porque lhe acho graça e porque me derrete.

Por último há o que escrevo exclusivamente por mim, interessante ou não para quem por aqui passa, trata-se fundamentalmente de uma forma de comunicar com aqueles que me são próximos, íntimos, dando-lhes "notícias" do que me vai na alma, dentro dos limites do que considero "publicável" - sem franquear as portas da minha vida, exponho aquilo que considero humano, verdadeiro, característico de mim. São exercícios de exteriorização dentro dos limites da privacidade. Porque me apetece, porque sim, porque me dá na real gana.

Então e ultimamente?
Pois ultimamente não me tem dado na real gana.
A forma mais simples que encontro para (me) explicar este rarear de "posts" mais pessoais é o Princípio Entrópico. A sério.

Se não travarmos uma batalha diária, ou quase diária, a entropia dá conta das nossas vidas, do meio que nos rodeia, das nossas relações, da nossa saúde física e mental.
Se não colocarmos a loiça na máquina, e o detergente, e não carregarmos no botão, veremos o caos, em pleno acordo com o princípio entrópico, tomar conta da nossa casa em dois ou três dias. O mesmo é válido para tudo o resto.

Há coisas que outros podem fazer por nós mas temos de ser nós a gerir essa delegação de tarefas, nem que seja na comunicação do que desejamos, na supervisão, no reconhecimento ou tão apenas na prontidão de um ordenado; outras coisas, menos frugais, teremos de ser nós a controlar, a manter sobre os carris da vida.

A minha vida é, habitualmente, uma correria; não que isso me agrade por aí além mas também não é dramático, é assim.

Muitas vezes sinto-me como uma torre, de diâmetro considerável, isto é, abrangendo vários "tipos de terreno", permanentemente a restaurar os seus blocos para não ruir - recaíndo sobre os "edifícios anexos e próximos" - ou, pelo menos, para não abrir brechas complicadas.

Tento, dentro das folgas que conquisto à entropia circundante, e até interior, salvar algum tempo para parar de correr. Não para parar, esse tempo durmo-o, mas para parar de correr, abrandar o ritmo. (O tempo que uso escrevendo neste blog faz parte dessas folgas da correria).
Os abrandamentos têm de ser cuidadosos para não virem a gerar "sprints", às vezes englobando "barreiras" e "corta-mato", em correrias infernais e desgastantes.
Também as faltas de abrandamento, físico e emocional, têm consequências similares: o desgaste resultante é idêntico. Abrem-se brechas, a fragilidade domina, o perigo de ruir espreita.
Este equilíbrio entre "o restauro continuo" e o abrandamento - para já não evocar o descanso - é fundamental. E é difícil.

O que é que tudo isto tem a ver com o conteúdo mais pessoal dos meus "posts"?

No que está fragilizado não se mexe. Reforça-se, repousa-se mas não se agita.

A dada altura, não sei exactamente quando, devo ter confundido a minha capacidade de "corredora de fundo" com a possibilidade de viver em "sprint".
Foi a exaustão, claro. Mas continuei...

De repente apercebi-me de que me sentia mal, de que vinha a sentir-me mal sem ligar a devida importância ao facto. Havia muito para fazer, para além do trabalho e das rotinas diárias, muitas frentes de "combate entrópico"; meteu-se o Natal, as azafamas costumeiras e as acrescidas, o "não dá para parar agora". Mesmo com a chegada das férias escolares da época, o que sempre alivia o vai-vem, os horários e, sobretudo, a imprescindível hora da alvorada, mesmo assim o meu nível de energia continuava baixo e a luta contra o caos tornava-se mais pesada do que o suportável.

Creio que o último "post pessoal" que aqui escrevi, talvez o único dos últimos dois mêses - Votos de Ano Novo - começava com um pedido de desculpas aos meus amigos que me telefonaram, ou de alguma forma me procuraram pelo Natal, amavelmente, carinhosamente, e que esbarraram com uma parede de silêncio, sem respostas e telefones desligados.

O virar do ano não foi melhor, pelo contrário. Por razões que não vêm a propósito houve que superar algumas provas amargas ainda que imprescindíveis ao fechar de assuntos longamente arrastados e definhados.

Até que um dia, sabe-se lá porquê, sentindo um cansaço que não tinha descanso, o corpo a pesar-me arrobas e encontrando-me no espelho com mais dez anos do que há um mês ou dois, medi a tensão arterial... Foi o pânico. Pânico!
A sistólica a bater no 10 e diastólica a rondar o 17/18... Eu, habitualmente hipotensa. E não, desta vez não se tratava de um pico de tensão motivado por uma situação isolada e identificável, os valores mais baixos batiam nos 9/16, continuamente.
Travões a fundo.
Não sofro de medo da morte mas sofro, mesmo racionalizando, de angustia de mãe de uma criança pequena
Parou, que se lixe a taça.

Como disse atrás, o tempo que passo escrevendo neste blog faz parte das folgas na correria quotidiana. Sento-me frente ao computador e concentro-me noutras coisas que não a rotina, o que há para fazer, o que preciso de tratar, etc. Treino as célulazinhas cinzentas, treino a escrita, o raciocínio, alheio-me de tarefas e obrigações.
As polítiquices, as pouca-vergonhas deste nosso país, e de outros, as questões sociais e outras que são do foro externo, não pessoal mas comum, ocupam-me a cabeça, até as emoções, mas deixam o meu foro íntimo em paz. E esse, mais do que alguma vez, eu quis deixa-lo em paz, uma paz verdadeiramente imprescindível - não mexe mais para não aumentar a entropia, "em absoluto acordo e respeito pela segunda lei da termodinâmica".

Agora, chegada aqui, a este momento, a esta linha, encontro-me neste "post muito pessoal".
Ainda não me refiz do susto. Reentro pela vida com pés de lã sabendo que não posso continuar a protelar o meu bem-estar em nome das urgentíssimas ninharias que nos comem a vida, se deixarmos.

Agradeço a quem me entendeu, a quem me deu tempo, a quem me dá espaço, a quem me dá a mão.
Não tenho ainda vontade de sair por aí correndo nem me parece que fosse grande ideia mas, se bem me conheço, não tarda vou sentir falta de um Rock'n Roll.

Keep rocking
Keep rollin'


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4 comentários:

  1. Se for um slow ainda me candidato.
    Agora, um rock' roll?

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  2. Meu querido Obélix

    Il y a longtemps... En trop...

    Oh pá, isto dos "slows" tem sido a minha velocidade de cruzeiro ultimamente,estou mesmo com um rock' roll em falta, não é para te contrariar.

    Beijinho, inté un de ces jours ao virré d'une esquiná

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  3. Ruca, meu anjo,
    o que tu gostas é "on the rocks"

    e eu,
    que sou quase tão anjo quanto tu,
    também.

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