A madame escritora redigiu para o semanário Sol, que publicou em 2010 (há contextos em que compreendo a censura) uma espécie de colectânea das suas opiniões que titulou: “As Gordinhas e as Outras”. Este textozinho, curto mas mauzinho - e não me refiro à qualidade literária mas ao veneno viscoso que encerra - parece que reapareceu pelas redes sociais em 2012 onde terá sido largamente comentado. Eu não o vi... Mas não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe, hoje lá me tocou a vez.
Nunca fui "gordinha", com mais ou menos peso fui sempre mais para o lado do osso, pessoalmente era suposto não me sentir tão arrepiada com a leitura. Pois, mas sinto. Sinto e sinto as raivinhas de dentes que a madame Margarida rosna cerrada nas entrelinhas do seu texto, a que ela chama "crónica", deixando inadvertidamente escapar algumas fustrações e inseguranças. O problema dela não são "as gordinhas" propriamente ditas, são os "direitos" que madame Margarida acha que elas têm e que "as outras" não têm. (Não estou a inventar, deixo o texto aí abaixo). Começa a famosíssima autora por dizer:
A Gordinha é aquela amigalhaça companheirona que desde o liceu cultivava o estilo maria-rapaz, era espertalhona e bem-disposta, cheia de energia e de ideias, sempre pronta para dizer asneiras e alinhar com a malta em programas
A descrição acima, mais à esquerda ou mais à direita poderia assentar-me bem, nas épocas idas em que eu tinha bicho-formigueiro e não parava em casa. Nunca fui uma perfeita maria-rapaz mas estive sempre longe do que se chama uma menina e, essa parte da amigalhaça companheirona, serve-me desde que aplicada à saudável convivência com pessoas que conheço bem, de há anos e que são para mim amigalhaços companheirões, eles e elas. Será que o sindicato das "gordinhas" me processa se souber disto? Será que me multa por uso indevido de características?
Não entendo o drama desta mulher...
Ou talvez entenda...
Diz ela:
À partida, não tenho nada contra as Gordinhas, mas irrita-me que gozem de um estatuto especial entre os homens. Às Gordinhas tudo é permitido: podem dizer palavrões, falar de sexo à mesa, apanhar grandes bebedeiras (.../...)Agora vamos lá ver o que acontece se uma miúda gira faz alguma dessas coisas sem que surja logo um inquisidor de serviço a apontar o dedo para lhe chamar leviana, ordinária, desavergonhada e até mesmo porca. Uma miúda gira não tem direito a esse tipo de comportamentos porque não é one of the guys: é uma mulher e, consequentemente, deve comportar-se como tal. (.../...)Ser gira dá trabalho e requer alguma diplomacia. (.../...) Uma mulher gira não pode falar alto nem dizer palavrões que lhe caem logo em cima. Já uma Gordinha pode dizer e fazer tudo o que lhe passar pela cabeça, porque conquistou um inexplicável estatuto de impunidade.Coitada de madame Margarida, o que ela sofre... Sofre para ser gira (?), sofre porque é gira (?), e sofre porque queria ter os direitos que por ser gira (?) não tem.
Uma mulher gira pode ser gorda ou magra, feia ou bonita, nova ou nem por isso, uma das poucas coisas que se lhe exige, para ser de facto gira, é que seja exactamente como é; que não seja uma construção que dá trabalho e requer diplomacia, que não seja uma "mise en cène" programada e ajustada. Há momentos, companhias e circunstâncias que devem ser levadas em consideração, está bem, mas isto não é sinónimo de uma "adaptação da personalidade" a um fim, neste caso a importantíssima e omnipresente finalidade de "ser gira!!!"
E só mais uma coisinha: Ser gira não é uma coisa que se programe para "que gozem de um estatuto especial entre os homens"... como a sensatez da maturidade vem, quase sempre, demonstrar. Há pessoas que conquistam um estatuto especial entre as outras pessoas, pela sua maneira de ser, pelas suas qualidades, pelo seu carácter; o resto são fogos factuos, ilusões e parvoíces.
Margarida, que idiota!
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"As gordinhas e as outras"
“Serve esta crónica para retratar e comentar um certo elemento que existe frequentemente em grupos masculinos e que responde pelo nome genérico de ‘Gordinha’
A Gordinha é aquela amigalhaça companheirona que desde o liceu cultivava o estilo maria-rapaz, era espertalhona e bem-disposta, cheia de energia e de ideias, sempre pronta para dizer asneiras e alinhar com a malta em programas. Ora acontece que a Gordinha é geralmente gorda e sem formas, tornando-se aos olhos masculinos pouco apetecível, a não ser em noites longas regadas a mais de sete vodkas, nas quais o desespero comanda o sistema hormonal, transformando qualquer bisonte numa mulher sexy, mesmo que seja uma peixeira com bigode do Mercado da Ribeira.
A Gordinha é porreira, é fixe, é divertida, quer sempre ir a todo o lado e está sempre bem-disposta, portanto a Gordinha torna-se uma espécie de mascote do grupo que todos protegem, porque, no fundo, todos têm um bocado de pena dela e alguns até uma grande dose de remorsos por já se terem metido com a mesma nas supracitadas funestas circunstâncias. E é assim que a Gordinha acaba por se tornar muito popular, até porque, como quase nunca consegue arranjar namorado, está sempre muito disponível para os mais variados programas, nem que seja ir comer um bife à Portugália e depois ao cinema.
À partida, não tenho nada contra as Gordinhas, mas irrita-me que gozem de um estatuto especial entre os homens. Às Gordinhas tudo é permitido: podem dizer palavrões, falar de sexo à mesa, apanhar grandes bebedeiras e consumir outras substâncias igualmente propícias a estados de euforia, podem inclusive fazer chichi de pernas abertas num beco do Bairro Alto porque como são ‘do grupo’ toda a gente acha muita graça e ninguém condena.
Agora vamos lá ver o que acontece se uma miúda gira faz alguma dessas coisas sem que surja logo um inquisidor de serviço a apontar o dedo para lhe chamar leviana, ordinária, desavergonhada e até mesmo porca. Uma miúda gira não tem direito a esse tipo de comportamentos porque não é one of the guys: é uma mulher e, consequentemente, deve comportar-se como tal. E o que mais me irrita é quando as Gordinhas apontam também elas o dedo às giras, quando estas se comportam de forma semelhante a elas.
Ser gira dá trabalho e requer alguma diplomacia. Que o digam as minhas amigas mais bonitas e boazonas que foram vendo a sua reputação ser sistematicamente denegrida por dois tipos de pessoas: os tipos que nunca as conseguiram levar para a cama e as gordas que teriam gostado de ter sido levadas para a cama por esses ou por outros. Uma mulher gira não pode falar alto nem dizer palavrões que lhe caem logo em cima. Já uma Gordinha pode dizer e fazer tudo o que lhe passar pela cabeça, porque conquistou um inexplicável estatuto de impunidade.
Porquê? Porque não é vista como uma mulher? Porque todos têm pena dela? E, já agora, porque é que quando uma mulher está/é gorda nunca ninguém lhe diz, mas quando está/é magra, ninguém se coíbe de comentar: «Estás tão magra!?»
Como dizia a Wallis Simpson: «Never too rich, never too slim». E quanto às Gordinhas, o melhor é arranjarem um namorado. Ou uma dieta. Ou as duas coisas.”
Crónica de Margarida Rebelo Pinto
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