UM ANO DEPOIS... SLAVA UKRAINI - HEROIAM SLAVA!

Este Mefistófeles solitário e egocêntrico vive num mundo de sua criação, uma realidade alternativa concebida com requintes de mestre alfaiate onde giram almas vendidas, cadáveres de opositores, mentiras deslavadas, exércitos de assassinos e tudo o mais que se poderá conceber nas profundezas do inferno. Não pode deixar de acreditar na vitória, contra tudo e contra (quase) todos, contra factos e evidências, contra as leis internacionais, contra a menor réstia de humanidade.  Sabe que só uma vitória pode salvaguardar o seu poder, e a sua vida; não pode permitir que o isolado e formatado povo russo deixe de acreditar nele e na absoluta necessidade de vencer a voracidade do ocidente "decadente e expansionista"

Kyiv seria tomada em três dias. 
Zelensky abandonaria o país ou seria, morto ou vivo, substituído por um presidente fantoche. 
Os ucranianos receberiam os russos de braços abertos. 
O exército ucraniano deporia as armas face à superioridade russa. 
A NATO, caduca e dividida, temendo um conflito global e, com mais ou menos protestos verbais, aceitaria a situação porque a Ucrânia é "uma terra de ninguém" pela qual não valeria a pena quebrar lanças. 
A Europa, dependente do petróleo e do gás, não se arriscaria a "morrer gelada ao primeiro Inverno",  a ver a sua subsistência ameaçada pela sombra negra da fome, nem à contestação social, nem à crise económica que fatalmente se seguiria. 
Os EUA, fraccionados e entregues a um presidente "fraco e pacifista", cuidariam dos seus muitos problemas, militantemente agravados ao longo dos anos do "Trumpismo" e pela desinformação semeada pelos radicalismos dos "SteveBanons" ao serviço da "causa", que encontram eco na inepta e servilista direita radical americana. 
Por cada soldado russo heroicamente morto em batalha dois se levantariam pela glória da Mãe-Rússia

Tudo isto, e mais, não são meros erros de cálculo, é uma visão egocêntrica de uma realidade ilusória seguida por um estado de negação cego e surdo, uma mente encandeada pelo esplendor de uma Rússia Imperial renascida, a "reconquista", o "Legado de Putin-O-Magnífico", padroeiro de "São Vladisburgo"

O cúmulo dos seus cálculos erróneos veio a revelar-se no agravamento dos seus temores: A NATO não só não se fraccionou como se uniu em bloco como nunca e, pior, cresceu; A União Europeia conseguiu ultrapassar os entraves que a presença dúplice da Hungria tentou criar e, contra as suas expectativas, a Polónia contou-se entre os primeiríssimos aliados da Ucrânia.
Magnífico sim, irrompeu um, o pequeno actor que foi eleito presidente... Com o carisma e a coragem de um Churchill ou de um Eisenhower, Zelensky revelou-se Magnífico

E um ano passou... 
(Não nos esqueçamos porém de que a luta pela Ucrânia não começou há um ano mas em 2014, quando a Rússia invadiu a Crimeia e se apoderou de Donetsk e Lugansk populando estas regiões com separatistas pró-russos)

Um ano de incontáveis atrocidades; nomes de cidades nunca conhecidos pela generalidade dos cidadãos do mundo evocam hoje imagens apocalípticas: Bucha com as ruas bordejadas de cadáveres, muitos deles com as mãos atadas atrás das costas, valas comuns com centenas e centenas de corpos, muitos dos quais com evidentes sinais de tortura e violação; o cerco de Mariupol, que culminou com o bombardeamento de um teatro que abrigava mais de um milhar de pessoas, muitas das quais crianças apesar de ter sido pintada em letras garrafais no exterior a palavra CRIANÇAS - "Óptimo, acabemos-lhe com a raça", escarneceu um general russo. E Kharkiv, e Mikolaiv, e Bilohorivka , e Bakhmut, e Kherson, Chernihiv, e, e, e... Dnipro, que teve ataques a zonas residenciais com mísseis destinados a porta-aviões, o inglório cerco de Azovstal, a loucura dos bombardeamentos junto à Central Nuclear de Zaporizhia... E escolas, creches, hospitais, as populações cívis, sempre as populações cívis como alvo de quem não consegue penetrar alvos militares.
A coroar a extensa lista de assassinatos, violações, tortura, pilhagem e de todos os horrores da guerra multiplicados por um abominável ódio que contempla o genocídio, acrescenta-se o rapto de milhares crianças ucranianas para serem convertidas em "armas russas" contra o seu povo nativo. A este tópico dedicarei aqui um post no início da próxima semana; é bárbaro demais para o diluir agora entre tantos execráveis crimes.  A negação da "Arte da Guerra" no absoluto desprezo pela vida. O Genocídio descarado e irreverente, ignóbil, imperdoável

Deixo abaixo um vídeo que será sem dúvida um dos que mais me impressionou  durante este ano de guerra. Gravado a 3 de Março de 2022 mostra uma curta filmagem após um dos bombardeamentos de Chernihiv , a norte de Kyiv. Por volta dos 40 segundos ouve-se uma mulher gritar do fundo da alma e logo em seguida diz: «As crianças, as crianças...». 
A única homenagem que posso prestar a estas crianças, a esta mulher, a este povo de coragem inultrapassável, é não esquecer. 
E nunca perdoar



Um ano passou, outro tem início. Mais virão... 

Mortos do Grupo Wagner -
 publicado por Prigozhin
A mefistofélica figura agarra-se à carne de jovens para alimentar os seus canhões mas as munições escasseiam, as de carne e as explosivas. O seu leal amigo Yevgeny Prigozhin, cabecilha do Grupo Wagner, revolta-se, acusa o ministério da Defesa de traição por não fornecer armamento, munições, transporte aéreo, nem sequer mantimentos que, diz ele, repousam nos depósitos do Estado enquanto as suas milícias sucumbem à fome. 
Durante o discurso de Putin no estádio Luzhniki há dois dias, feito para consumo doméstico, e sem qualquer referência às dezenas de milhar de soldados russos mortos na Ucrânia, a restrita internet russa foi invadida por fotografias de "soldados" do grupo Wagner trucidados e protestos pelo abandono a que estão sujeitos.

 Isto poderia ser interpretado como "uma justa revolta" não fora o sobejamente conhecido comportamento indiferente e cruel de Prigozhin; no ano passado, ao visitar uma morgue repleta de corpos de membros do Wagner comentou: «Acabaram os seus contratos, vão para casa». Significativo... 
Até onde irá Prigozhin na sua lealdade? E na sua ambição? 
Se alguém pretender virar as muitas chefias militares russas insatisfeitas com os insucessos na guerra contra a gestão do Kremlin esta seria uma boa aposta e um bom princípio para angariar uma base de apoio

É no entanto evidente que Putin não põe qualquer hipótese de se retirar nem tão pouco de se sentar a uma mesa de negociações. Pede apoio à China, armas,  tecnologia da mais complexa ao mero chip, e inteligência (como as fundamentais imagens obtidas por satélites) e "comunicações"; não abandona o enfeudado apoio militar da Bielorrússia - com Kyiv ali tão perto, é uma humilhação difícil de suportar. Ocupou estrategas da Inteligência e militares para delinear um golpe de Estado na Moldávia que colocasse um amigalhaço na presidência o que, além do mais, reforçaria indiscutivelmente a segurança da presença russa na Crimeia. O sonho soviético persiste, mais um Estado-vassalo é sempre um bom activo


E a China? 

A China é a única tábua de salvação de Putin mas a questão está longe de ser linear; a comprovar a tortuosidade está a posição da China ontem à tarde, véspera do primeiro aniversário da guerra, quando a ONU votou a "Exigência de que a Rússia retire as suas tropas da Ucrânia" - 141 votos a favor.  Apesar dos 7 votos contra dos "suspeitos do costume" ( Rússia, claro, Bielorrússia, Mali, Nicarágua, Síria, Coreia do Norte e Eritreia) a China manteve o ar seráfico e, mais uma vez, absteve-se.  E ainda fez um bonito propondo uma lista de medidas: cessar-fogo, diálogo, garantias de segurança para a Rússia, protecção de cívis e, a que mais gosto, defesa da integridade territorial. Integridade territorial  de quem? De ambos os Estados? Com ou sem anexações? (São uns pândegos estes chineses.)
A China recusou-se a condenar a invasão russa embora tenha vindo a defender a integridade territorial da Ucrânia ao longo de meses e, de caminho a sua, uma vez que considera que Taiwan é território chinês. (Se a Rússia prevalece na Ucrânia abre alas à legitimização "na prática" de uma invasão de Taiwan). Pretende manter a face perante os seus clientes comerciais  e financeiros no ocidente mas envia  uns rebuçados em forma de armamento para a Rússia - por enquanto apenas - através da Coreia do Norte; compra a sua energia à Rússia sendo a mais importante das fontes econômicas do Kremlin. Convém prolongar a situação, quanto mais tempo esta durar menor é disponibilidade de recursos militares ocidentais. E económicos... 
Até onde irá a permissão para as continuas injecções de milhões de dólares à Ucrânia por um Congresso americano presentemente nas mãos dos Republicanos? A questão não é pacífica... 

Na passada segunda-feira, estava Biden em Kyiv, o governador da Florida, Ron DeSantis (o mais provável candidato républicano às presidenciais de 24) afirmou:
a) «O futuro da Ucrânia não será uma prioridade da Casa Branca se for eleito»
b) «O medo de que a Rússia ataque países da NATO é disparatado, nunca esteve perto de acontecer, já demonstraram ser uma potência militar de terceira categoria»
c) «Biden pode prometer que os EUA estarão com Kyiv durante quanto tempo for necessário mas não o pode garantir»
d) Acrescentou que é contra a passagem de um "cheque em branco" a Kyiv.
Não comento nem retiro ilações porque não quero misturar alhos com bugalhos, haverá tempo e tempos, quem quiser retire as suas. Se o candidato for DeSantis é assim, se for Trump é "Game Over".

QUE UM EXÉRCITO DE ANJOS GUERREIROS OS ACOMPANHE

Tão simples quanto 2+2, por mais "Planos de Paz" que a China apresente o inimigo é comum, o desrespeito pelas leis internacionais é semelhante e o acordo de amizade assinado por Xi e Putin por ocasião dos Jogos Olímpicos, em vésperas da invasão, continua em vigor. Mais... Exerce a sua vingança - e silenciosa chantagem - sobre a dramática machadada que Biden deu sobre a tecnologia chinesa ao proibir a exportação de "chips" para a China e cortando-lhe o acesso a tecnologia avançada essencial. O desgaste quantitativo do arsenal dos EUA  é um agradável pormenor  no cenário duma invasão de Taiwan. Por outro lado a aliança com um grande Estado fragilizado, mas ainda o maior produtor do trio petróleo, gás e carvão, oferece à China a garantia de energia disponível, mais barata (-40%) e uma ascendência sobre a Rússia sem precedentes; não pretende uma Rússia forte mas muito menos lhe convém uma Rússia democrática. Convenhamos que não é nada mal pensado.

Futurologia não é o meu forte mas uma coisa é evidente: as 48h que se seguiram à histórica visita de Biden a Kyiv foram basilares para o que se seguirá em termos de estratégia e apoio do ocidente à Ucrânia. Biden não foi a Varsóvia para dar apertos de mão a 9 dos aliados da NATO e ao seu secretário-geral. Os tópicos mais complexos terão sido abordados e coordenados, fissuras e arestas terão sido preenchidas e polidas, respostas preparadas, acções antecipadas, o melhor aproveitamento táctico de quem joga em casa, prognósticos estudados. Soa agora a hora do "Vamos a isto". As novas armas estão a caminho, quinzenalmente novos pacotes serão libertados mais 2 bilhões de dólares foram hoje atribuídos, só pelos EUA, para assistência de segurança. O aumento progressivo de material militar nos EUA e na Europa também está decidido e em marcha; no UK está em crescimento há meses, um novo orçamento será dedicado já em Março.
Mais dirá o Secretário-Geral da NATO e  UE pela boca da Presidente da Comissão durante a manhã na Estónia, à beira da fronteira com a Rússia.

 O recado enviado à China não terá sido um tema menor... Os tempos que vão correndo não são os melhores para ninguém e são francamente difíceis para uma China que combateu durante 3 anos uma paralisante guerra com o Covid-19, mais do que qualquer outro país deste atribulado mundo; Sanções económicas e comerciais em larga escala será a última coisa de que de que a China necessita.

Dentro de horas será apresentado o "Plano de paz" chinês com 12 pontos sendo o 1' "O respeito pela sobrania de todas as nações". Declara desejar "continuar a representar um papel construtivo na retomada de conversações de paz" mas nada diz sobre como, quando ou sobre que requisitos. Fala de "facilitar a exportação de cereais" mas/e também de " acabar com as sanções unilaterais". Pois. 

É um equilíbrio difícil balançar entre o que se prefere e o que melhor convém. Veremos onde se situa a sua apregoada neutralidade.

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