UM PENSAMENTO GÉLIDO

 Esta manhã presenteei-me um interlúdio de paz de espírito, fui tomar o pequeno-almoço ali para a beira rio. Era cedo, ainda não tinha acordado o calor e aquelas bandas não são sítio de passagem, muito sossego, quase ninguém à vista. Conversa amena, um grande bule de chá e meia dúzia de scones. Perfeito.

Então veio à conversa esta irresponsável cegueira que mancha a entrada de Outubro. De repente deu nas cabeças tacanhas um "Não mandamos mais dinheiro/armamento para a Ucrânia".

Os eslovacos? Já se esqueceram de Agosto de 1968? Têm saudades de ver os tanques russos a invadirem Praga? (Sim, Praga fica agora na República Checa mas em 1968 era a capital da Checoslováquia, englobando a actual Eslováquia)
Os Républicanos dos States? Julgarão que a fragilizada manutenção da paz no ocidente não lhes sai - muito - mais cara do que o apoio à Ucrânia?
O dúplice húngaro? Passar-lhe-á pela cabeça que o czar o deixaria ser mais poderoso ou autónomo do que o desvalido da Bielorrússia?
Os polácos? Mais do que quase todos, à excepção da Moldávia, têm na Ucrânia o muro vivo de protecção à sua fronteira mas optam por ignorar que a história se repete?

Que raio deu na cabeça desta gente? 

As ânsias nacionalistas têm sido dádivas de alegria para a sofreguidão imperialista do KGB soviético que tomava conta da espionagem russa em Desden quando o muro foi derrubado por um berro colectivo contra a submissão. A única fortaleza capaz de bloquear essa avidez é a coesão do Ocidente, a intransigência criminal para com as violações da integridade territorial, a defesa ética e pratica dos valores democráticos; sem isto a Rússia, e a China por arrasto, somam pontos e apetites

"Tens razão, é exactamente isso", replicou o meu pensativo interlocutor; ficou em silêncio por um momento e acrescentou: "Mais grave é que a expansão dessa cegueira leva a crer que se Hitler aparecesse por aí um destes dias depressa seria o heroi de meio-mundo".

Gelei. O meu pensamento paralisou, não consegui pensar em mais nada. «Verdade como punhos» tornou-se num facto que me atingiu o estômago. Deixei o scone mordido no prato e quis sair dali; "Vamos andar um bocado"...


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