Já aqui escrevi sobre um Amigo e sobre uma Amiga, por ocasião dos seus aniversários;
Já houve um Amigo que escreveu sobre mim – e não foi banido porque manteve discrição q.b. – a quem respondi , a pedido, expondo-me mais do que o usual, aqui no Real Gana.
Já escrevi sobre a amizade, um “aviso de navegação”, tendo em mente alguém que não identifiquei, nem nas entrelinhas, por ter a esperança de que, “enfiando a carapuça”, a pessoa em questão se apercebesse da iminência da derrocada e arrepiasse caminho, pois trata-se de alguém por quem tenho verdadeira amizade.
Já aqui deixei uma “carta” a alguém que deixou o nosso mundo para trás mas a quem eu precisava escrever... uma vez mais.
Onde eu quero chegar é que, de uma forma ou de outra, houve sempre uma razão especifica que me levou a escrever sobre ou a... quando o tema é Amizade.
Hoje apetece-me escrever sobre a Luísa.
Por razão alguma, só porque me apetece e não vou esperar pelo seu aniversário – ainda faltam cerca de 4 meses – nem vou dar voltas à cabeça a tentar descobrir que razão me assiste. Deu-me na real gana e chega.
A Luísa é a minha Amiga mais antiga – a primeira, a do tempo das fraldas. Não sei se é “a minha melhor amiga”, abomino esta classificação perigosa e injusta; a primeira é.
Durante a primeira infância não éramos particularmente próximas do ponto de vista afectivo; éramos, e somos, muito diferentes e tínhamos alguma dificuldade em nos entender, como se não falássemos e mesma língua. Bem sei que ela é muito mais velha do que eu... Sim, um ano e dezassete dias não é brincadeira nenhuma, é quase um "generation gap"... (Pois, desculpa lá mas é verdade...)
A Luísa era uma miúda a puxar ao intelectual, às vezes chata na sua insistência em fazer “perguntas inteligentes”, em reter a atenção de um ou outro adulto que lhe estimulava mais o seu apetite por conversas profundas. Não me lembro de a ver a brincar, lembro-me dela a observar, a desenhar e, mais tarde, a ler. Lembro-me dela nas festas de crianças um tanto "trombuda"; festas infantis e vestidos bonitos eram para ela uma grande chatice. Enfim, como as nossas famílias eram amigas e se davam com bastante frequência nós fomos crescendo juntas "por arrasto". Foi uma sorte.
À medida que crescemos e fomos entrando na idade de conversar mais e brincar menos, descobrimos que podíamos conversar uma com a outra. Conversar mesmo, não apenas contar coisas uma à outra. Conversar sobre fosse o que fosse independentemente das nossas visões pessoais sobre os assuntos.
Tornámo-nos Amigas e companheiras, cúmplices e conselheiras, silenciosas e palradoras. Divertimo-nos, desenvolvemos os nossos sentidos de humor, por vezes muito "gozões" e aguçados, exploramos livros e filmes, ciências e metafisicas, discutimos políticas e fomos a manifs. juntas, cobrimos as costas uma da outra. Nunca tivemos trocas de olhares porque nunca precisamos de confirmar qualquer "podes estar descansada", qualquer "estou a perceber-te" nem qualquer "estás a ver isto?". Tanto assim que neste momento, enquanto escrevo, me refiro a ambas sem sentir a necessidade de dizer "pela parte que me toca".
Foi-se criando entre nós uma verdadeira Confiança, daquela de "olhos fechados" e "de olhos bem abertos", absolutamente preciosa. Nunca emitimos qualquer tipo de juízos relativamente à outra, muito menos perante terceiros. Emitimos sim aquelas que considerámos serem as nossas melhores opiniões, ainda que isso implicasse expor "verdades" menos fáceis de dizer e de ouvir. Mas nunca implicou um julgamento ou uma não aceitação e, ao dizer isto, quero fazer uma ressalva importante. Esta plena aceitação não nos advinha, não nos advém, de qualquer pacto de apoio incondicional nem de qualquer tipo de absolutismo idiota. Esta aceitação tem as suas raízes no profundo respeito mútuo e este na honestidade que sempre nutriu o nosso relacionamento, no conhecimento do que ambas somos capazes para o melhor e para o pior. Não há qualquer pacto, conhecemos bem a face invisível uma da outra e a face obscura também; as verdades inconfessáveis, as mentiras ao mundo. Mas não os podres. Não há podres. Conhecemos bem o lado mais luminoso de cada uma, mesmo aquele que não é manifesto aos olhos de outros, e alguns dos "outros" até são amigos.
Depois de um verão em que passamos bastante tempo juntas, a Luísa foi estudar medicina para Coimbra. Não me lembro se nos escrevemos, talvez uma ou duas vezes - nessa época não existia internet e muito menos e-mails; Não nos telefonávamos e não fez qualquer diferença.
Nessa época a Luísa conheceu um estudante de direito com quem, mais tarde veio a casar. Na altura eu nunca soube de nada, só o conheci quando nasceu a primeira filha. A verdade é que isso era muito natural. O nosso relacionamento, ainda que muito intímo, não passava pelos relatos do nosso quotidiano atribuídos aos relacionamentos de amizade femininos, muitas vezes com razão.
Após ter acabado medicina a Luísa voltou para Lisboa, e passado algum tempo foi viver para Braga. Teve mais duas crianças, divorciou-se, sacudiu a poeira e deu a volta por cima. Aguentou-se que nem uma leoa, lutou, trabalhou, deu conta de três filhos.
É uma mulher decidida, inteligente, criativa, dura de roer e, felizmente, não esconde risos nem lágrimas. Conquistou tudo o que tem e repudiou tudo o que não quer. É uma grande mulher a minha grande Amiga.
E lá ficou por Braga. Continuamos sem nos escrevermos, mesmo já nesta época de contacto virtual na ponta dos dedos. Telefonamo-nos de vez em quando, normalmente por um motivo concreto, nem sempre. Mas sempre que queremos ou precisamos.
Sinto falta de conhecer mais profundamente a Beatriz, a Margarida e o Joaquim; gostava de ter com eles uma relação de profunda amizade como os pais da Luísa tiveram comigo e os meus pais tiveram com ela. Claro que gosto profundamente deles mas eu queria mais. Gostava que o meu filho crescesse com eles, se possível se tornassem bons amigos, sei que estaria "bem entregue".
Às vezes sinto a falta dela; não que ela me falte... mas às vezes gostava de a ter mais perto. Com um whisky, dois cigarros, três ironias e mil conversas.
E o «olhos nos olhos» absolutamente limpo, sempre.
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