Ainda mal o saudita tinha chegado já Trump lhe mostrava a galeria com as fotografias dos presidentes dos EUA, que mandou pôr num corredor exterior a que pomposamente chama Presidential Walk of Fame. Foi visto pela imprensa pela primeira vez hoje, depois da sacriloga demolição da West Wing e do histórico corredor que as abrigava. Estão lá todos, todos menos o presidente 46º, Joe Biden, o que venceu Trump com o maior número de votos com que alguma vez um presidente dos EUA foi eleito. Em vez da fotografia de Biden, vê-se emoldurada uma fotografia de uma caneta de assinatura automática ( já tinha estado na West Wing mas com uma moldura ranhosa). Segundo Trump, Biden não governou, o seu gabinete decidia por ele e assinavam o que queriam com a caneta automática. É reles, é baixo-abaixo-de-reles. A inveja mata, mas mata muito devagarinho.
Ficaram parados em frente da fotografia enquanto o gajo do fato explicava uma qualquer enormidade ao gajo da túnica. (Não terá um fato?)
Para continuar, quando Trump abriu a entrada aos jornalistas, falou de tudo menos do que é que o saudita estava a fazer na Casa Branca; falou nos trilhões e biliões e milhões que tem feito a América ganhar, e falou mal de Joe Biden; falou da Golden Age que a América está a viver depois da miséria que passou com Biden; falou de como os preços todos baixaram, os combustíveis, a alimentação, as groceries, os medicamentos, que estavam a preços exorbitantes no tempo de Biden.
Não sei o que mais disse, sei que não falou dos milhões de pessoas que perderam apoios sociais, reformados e veteranos incluidos, nem dos que vêem os seus seguros de saúde obrigatórios aumentarem centenas de dólares.
Por esta altura dei meia volta e fui trabalhar.
Voltei passado um grande bocado, o cenário tinha mudado, agora estavam as duas pestes sentadas na Sala Oval, cada um mais contentinho do que o outro. Desenrolavam-se as respostas à imprensa.
Lembrei-me do mesmo cenário com uma representação incomparavelmente diferente, quando Zelensky foi flagelado por Trump e Vance perante o silêncio comprometedor de Rubio...
Incomparavelmente diferente, desta vez estava-se entre amigos, com um gajo que mandou matar à martelada e desmembrar, dentro de uma embaixada saudita, um jornalista do Washington Post, com cidadania americana, que expôs os podres e a corrupção da família real saudita e dos seus governantes.
Quando uma jornalista da ABC News perguntou a Salman sobre o assassinato de Jamal Khashoggi, sobre a CIA ter concluído que foi a mando dele e disse que as famílias das vítimas do 11 de Setembro estavam furiosas com a sua presença na Sala Oval, Trump saltou com as garras luciferínas em riste: «Isso não são perguntas que se façam, ele (Khashoggi) era um homem muito controverso, muita gente não gostava dele. Essas coisas acontecem. Ele (Salman) é um grande homem, tem feito um trabalho fenomenal, é meu amigo, não teve nada com isso, está a incomodá-lo»
Ou seja, o presidente dos EUA contradisse as conclusões da investigação feita pela CIA; nada de novo, já o havia feito em Helsínquia ilibando Putin da interferência russa nas eleições.
Salman disse que queria responder... mas não respondeu. Fixou a parte da pergunta que referia o 11 de Setembro, disse que Bin Laden era um malandro que queria envenenar as boas relações entre os EUA e a Arábia Saudita. O que lhe falta em vergonha sobra-lhe em descaramento. (Vídeo abaixo)
Quando a mesma jornalista, após intervenções de outros colegas, perguntou a Trump por que não publicava os "Ficheiros Epstein", uma vez que podia fazê-lo de imediato e já o poderia ter feito desde o início da sua presidência (a votação no Congresso ainda estava a cerca de 2h de ser iniciada) Trump eriçou-se de novo, sem responder à pergunta, criticou o modo como foi feita e em resposta falou como um verdadeiro autocrata:« Já lhe disse há pouco que a empresa que representa é um cóio de notícias falsas, aliás estou a pensar retirar-lhes a licença de transmissão».
Seguiu com as amabilidades a Salman, voltou a falar de ter baixado os preços todos, do que tem feito pela América, disse mal de Biden, claro. Salman sorria...
Trump não disse uma só palavra que fosse verdade, nada, só uma algaraviada de mentiras desconexas, despropositadas. Salman sorria...
Não falou de ter submetido na ONU, à pressão para a véspera desta visita, o Plano de Paz para Gaza que pouco ou nada especifica - nem quem integrará o "governo" de Gaza, nem o papel da Autoridade Palestiniana nem, muito menos, a criação do Estado da Palestina. Não falou de que não há qualquer hipótese de a Arábia Saudita assinar o tão almejado Acordo Abraham (ai, o Nobel da Paz...) enquanto não se reconhecer o Estado da Palestina. Não falou dos militares do Pentágono que alertaram para que a venda de dos F35 à Arábia Saudita acarreta um risco de fuga de tecnologia para a China que não pode ser ignorado. Não explicou que os negócios combinados com Salman se estenderão por um período de 10 anos, se vierem a ser realizados. E dos Direitos Civis e Direitos Humanos na Arábia Saudita, nem lhe passou pela cabeça falar, aliás está-se completamente nas tintas.
Trump sabe porque é que a sua primeira viagem de Estado em 2017 foi à Arábia Saudita. Sabe porque é que a sua primeira viagem de Estado em 2021 foi à Arábia Saudita. Salman também sabe.
A bem da sanidade mental que me resta, completamente enojada, sentindo a trampa do mundo que tinha na frente a colar-se-me à pele, desliguei a TV e fui à minha vida tentando ignorar o que tinha visto. Não consegui.
O jantar de gala? O jantar em honra do assassino que vive coberto de luxo e beleza num país com uma economia devastada, onde há fome e miséria na maioríssima parte da população - Salman que não é um Chefe de Estado - foi recebido com todos os galhardetes como se recebesse a rainha de Inglaterra... Pois, não vi o jantar nem vou ver, desse não vos posso falar

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