No dia 6 de Novembro, Mark Rutte, secretário-geral da NATO, fez uma declaração no Fórum NATO-Indústria, em Bucareste, que pode parecer uma informação ao público presente a esse fórum predominantemente industrial. Disse ele:
«A Aliança ultrapassou a Rússia na produção de munições, uma mudança crucial no equilíbrio de defesa da Europa após anos de desvantagem em relação à produção de Moscovo. Até há pouco tempo a Rússia produzia mais munições do que todos os aliados da NATO juntos. Mas isso mudou.
A força da NATO depende agora da estreita coordenação com os fabricantes privados. Não há uma defesa forte sem uma indústria de defesa forte. É necessário aumentar a oferta, expandir as linhas de produção existentes e abrir outras novas.
Para além de munições, a NATO deve concentrar-se na defesa aérea de alta tecnologia, drones, capacidades cibernéticas e inovação através de programas como o Acelerador de Inovação em Defesa e o Fundo de Inovação da NATO.Para nos mantermos seguros futuramente, precisamos de ser mais inteligentes do que os nossos adversários utilizando todos os nossos pontos fortes.»
Elisabeth Braw, investigadora sénior do Atlantic Council bate na mesma tecla:
«A maioria das pessoas não se apercebe da extensão dos danos que a Rússia está a tentar causar às nossas sociedades. Isto deve-se ao facto de os nossos governos, compreensivelmente, tentarem não alarmar as pessoas mas, como resultado, as pessoas não se apercebem realmente do que está a acontecer»
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No mesmo dia 6 de Novembro, Lord George Roberson, ex-secretário-geral da NATO, ex-ministro da Defesa (UK), dava uma "coincidente" entrevista ao Channel4 em Inglaterra.
Lord Robertson liderou a recente (06/2024 - 07/2025) revisão da estratégia de Defesa Militar - "Strategic Defense Review" - do Reino Unido a pedido de Keir Stamer e preocupa-o que o público não esteja ciente do conflito actual e contínuo com a Rússia.
«A Rússia está claramente em guerra connosco. Não tenho qualquer dúvida de que, ainda que não estejamos em guerra com eles, eles claramente declararam-nos guerra. Porque esta não é uma guerra convencional, não se trata de tanques a atravessar fronteiras, soldados a marchar por cidades com o som dos tiros no ar. É um conflito muito mais subtil e sinistro, tão subtil que nem nos apercebemos do quanto se aproximou sorrateiramente».
Esta é uma guerra híbrida, uma mistura de sabotagem, subversão e manipulação psicológica que actua numa zona cinzenta entre escaramuças e uma guerra total. Está a acontecer por toda a Europa neste momento.
Em 2024, assistiu-se à tentativa de assassinato do director executivo do maior fabricante de armas da Alemanha; Explosivos escondidos em pacotes foram enviados da Lituânia, via DHL e DPD, para a Alemanha, Polónia e Reino Unido; Um enorme incêndio que destruiu grande parte de um centro comercial em Varsóvia.
Estes são alguns dos acontecimentos de que muitos não ouviram falar, para além daqueles que já quase toda a gente conhece: drones a sobrevoar o espaço aéreo de diversos países da NATO e bases militares, na Dinamarca e não só; jactos que atravessam o espaço aéreo da Estónia; a destruição de cabos submarinos no Mar Báltico....
As investigações de governos ocidentais e os seus serviços de Informação revelam que a mão do Kremlin está presente em todos os casos. Analistas observaram centenas de actos de sabotagem por parte da Rússia nos últimos três anos. No caso dos danos nos gasodutos Nord Stream em 2022, são os ucranianos que são agora acusados – o governo em Kyiv a protestou, declarou não ter tido qualquer envolvimento. Moscovo continua a negar qualquer sabotagem.
Esta semana, avistamentos de drones na Bélgica provocaram o encerramento de aeroportos e de uma base militar, junto à fronteira com a Holanda, durante 3 noites consecutivas. O governo convocou uma reunião de emergência com os parceiros europeus
Lord Robertson levanta outra questão que tende a passar desapercebida:
«Não há dúvida de que a Rússia alterou estrategicamente a forma como tenta minar a sociedade ocidental. Aqueles que, no Kremlin, têm como função pensar a longo prazo, claramente começaram a contratar criminosos organizados para realizar determinado tipo de acções e operações de sabotagem que eles próprios não seriam capazes de fazer tão discretamente, afastando quanto possível as ligações à Rússia.»
Após o envenenamento de Sergei Skripal por dois agentes da FSB em Salisbury (UK, 2018) e a invasão da Ucrânia em 2022, o Reino Unido e outros países europeus expulsaram muitos agentes dos serviços de informação russos. Com Moscovo a querer expandir o seu conflito contra o Ocidente, a Rússia ficou em desvantagem uma vez que agora não dispõe, como antes, de agentes treinados no terreno. Então, improvisaram: "se não podemos usar os nossos agentes usaremos activos estrangeiros"
Andrei Averyanov, uma figura-chave da rede de espionagem russa e vice-chefe do GRU, dirige uma unidade relativamente nova chamada "Departamento de Tarefas Especiais" (Department of Special Tasks). Cerca de 80% das actividades de guerra híbrida da Rússia partem de Averyanov e da sua equipa de assassinos, sabotadores, hackers, recrutadores, chantagistas, operadores para as redes sociais e media, infiltrados nos níveis mais básicos e nos mais elevados.
Um ataque incendiário em Leyton, no leste de Londres, em 2024. Os culpados eram criminosos de pequena monta no Reino Unido. O líder, Dylan Earl, era um homem de Leicestershire que tinha sido recrutado online pelo grupo de mercenários Wagner. Foi condenado a 17 anos de prisão.
Uma semana depois, um tribunal francês condenou quatro búlgaros pelo seu envolvimento na devastação e pilhagem de um memorial judaico em Paris. Os juízes afirmaram que a interferência estrangeira era “indiscutível”, sendo a Rússia a culpada provável. Provável, mas sem "provas"
Em Maio de 2025, 6 búlgaros foram condenados por espionagem para a Rússia no Reino Unido com penas de prisão que variam entre 5 e 10 anos. Os membros da rede de espionagem auto-intitulavam-se "os lacaios" e tinham como alvo jornalistas, políticos e tropas ucranianas. Discutiram também a realização de rapto ou assassinato de opositores do Kremlin.
Em Setembro último um ex-euro-deputado do Brexit/UK Reform, ex-lider do partido no País de Gales, deu-se como culpado de 8 acusações de suborno por parte da Rússia, um "peão" dos serviços secretos russos. O próprio Nigel Farage colaborou com a RT durante anos aparecendo regularmente no canal, com o seu próprio programa e sendo remunerado pelos seus serviços. Apareceu na RT - canal TvV "Russia Today") durante o seu mandato como membro do Parlamento Europeu (MEP) e o RT promoveu as suas aparições após o referendo sobre a União Europeia.
É a economia informal da espionagem: agentes freelancers que são baratos e conferem ao Kremlin uma negação plausível. Nunca há um contrato russo assinado nem qualquer tipo de rasto documental, Moscovo pode negar, negar e negar.
Obviamente que isto dificulta a resposta da Europa.
«Estamos imersos neste tipo de guerra em que coisas acontecem a todo o momento, sem causa específica aparente., É preciso dar um passo atrás e observar a existência de um padrão; Então percebe-se que todos estes pequenos acontecimentos que, isoladamente, podem parecer insignificantes, fazem parte de uma estratégia mais ampla que está alinhada com os objectivos da política externa da Rússia. Estes objectivos são perfeitamente complementados pela forma como Moscovo recruta num mundo de sombra representantes e criminosos. O Kremlin quer criar confusão para dividir e enfraquecer a Europa. Isto semeia medo, mina a confiança nos nossos sistemas, nas nossas redes e nos políticos que elegemos.»
Tomemos por exemplo o caso dos monumentos judaicos vandalizados em Paris por búlgaros.
O anti-semitismo é uma questão crescente e importante em toda a Europa. A Rússia tenta instrumentalizá-lo, fomentando divisões entre as populações judaica e muçulmana em França, precisamente quando a extrema-direita está a aumentar o seu apoio. Se a França estiver dividida a Europa fica mais fraca e, consequentemente, o apoio à Ucrânia diminui. Quem pode garantir a continuação do forte apoio da França à Ucrânia se o Rassemblement National de LePen estiver no poder?
O mais significativo efeito imediato do Brexit, para além das suas repercussões económicas, foi, por um lado a diminuição do bloco parlamentar europeu de centro, por outro as múltiplas dificuldades acrescidas na partilha de informações de segurança europeia, algumas das quais apenas colmatadas pela superior troca de informações entre Aliados da NATO
Na Alemanha, após inúmeros ataques cibernéticos, pelo menos uma tentativa de assassinato, entre muitos outros episódios de destabilização e espionagem, o chefe dos serviços de informação alemães e o ministro da Segurança vieram a público dizer: «Vamos tomar medidas a este respeito, precisamos de operar acções de dissuasão.»
Imediatamente grande parte da elite política, com a voz predominante do AfD e dos media de direita reagiram: "Isto é uma escalada", "Porque é que estamos a reagir de forma exagerada?", "Isto divide a nossa sociedade". Apenas tinha sido evocada "Dissuasão", não qualquer "Ataque"... Não reagir foi a atitude proposta pela oposição
Lord Robertson acredita que o Ocidente precisa agora de ser mais transparente sobre a ameaça e recordar o mundo de 1945-1991 (do pós-guerra à dissolução da União Soviética)
«Não creio que o país esteja realmente consciente dos perigos. Temo que, quando as luzes se apagarem, os centros de dados colapsarem, os semáforos deixarem de funcionar e os ATM ficarem sem dinheiro, as pessoas se virem contra o governo.
Precisamos de ressuscitar alguns dos instrumentos de guerra da informação que utilizámos durante a Guerra Fria. Desmontámos muitos dos instrumentos que utilizávamos para levar notícias e opiniões à União Soviética. Penso que precisamos de restabelecer grande parte disto para atingir a população russa. Mas o Presidente Trump destruiu a Radio Liberty e a Radio Free Europe. Com que vantagem?
A resposta militar do Ocidente pode ter começado mas é evidente que há uma batalha psicológica em curso: Educar e informar as populações sobre o que se passa nas sombras e estar consciente da forma como Moscovo quer que as sociedades reajam, é esse o desafio que temos pela frente, tendo em conta o que pode acontecer no futuro.
Quase se fica paranóico a pensar no que a Rússia é capaz de fazer. E depois, quando a Rússia introduz a sua próxima forma de agressão na zona cinzenta, percebe-se que não se estava a ser suficientemente "paranóico"»
