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QUANDO A PASSAGEM PELO INFERNO NÃO TEM REGRESSO

 

Não tenho grande vontade de falar no assunto, é muitíssimo dramático e a memória das gentes é muitíssimo curta

15 de Agosto de 2021, um dia negro como negros podem ser os dias

15 de Agosto de 2021 - A queda de Kabul. Os talibã tomaram conta da capital, do governo, do país

15 dias antes da data limite para a saída das tropas americanas do Afeganistão, e dos aliados da NATO que seguiram as mesmas passadas não tendo qualquer outra hipótese viável. Foi o inferno, a esperança que morria, o medo, a fuga desesperada.

Nenhum outro povo do Médio Oriente teve tanta esperança de viver em democracia.
A corrupção, particularmente entre os militares, e terroristas alimentados a dinheiro de ópio, armamento e apoio de Estados tão terroristas quanto eles, levaram a um impasse que se tornou - talvez - interminável

Nenhum outro povo do Médio Oriente apoiou tanto as tropas estrangeiras no seu solo quanto os afegãos; não se viam "ocupados", viam-se ajudados; Essa ajuda teve preços elevados, os riscos eram enormes, espreitavam, podiam vir de qualquer conhecido insuspeito.

Depois viram-se traídos, deixados para trás, não houve tempo...
Muitos deles, agitando nas mãos erguidas os papeis que provavam a sua "ligação" a esta ou àquela embaixada, tentavam receber os vistos a que tinham direito: eram "tradutores", engenheiros que construíram bases, médicos, secretários, mecânicos, etc,etc. Tentavam passar os bloqueios que se entrepunham entre eles e o aeroporto, a embaixada, o hotel dos estrangeiros, a entrada em Kabul
Imagens dramáticas que não deviam estar esquecidas: pais passando os seus bebés para os braços dos soldados do outro lado da vedação do aeroporto. Pessoas a correr atrás de um avião prestes a levantar. Corpos vitimados por atentado bombista no meio da multidão que aguardava durante dias a sua passagem para um mundo melhor. Garrafas de água distribuídas em aflição para as crianças que desfaleciam por desidratação. Não vou mais longe, imaginem-se, por um momento, com uma dessas crianças ao colo


 

Não tenho vontade de falar no assunto, é muitíssimo dramático e a memória das gentes é muitíssimo curta


Para muitos não houve um mundo melhor. 

Para muitos não houve o mundo que mereciam, que bem fizeram por merecer
E... Lamentavelmente... Não tinha de ser assim, era evitável, nem era assim tão difícil

Para muitos ainda não é assim tão difícil


A minha amiga Inês, jornalista com uma capacidade muito acima da média de sentir e escafunchar a realidade, publicou há pouco um "desabafo" no Facebook. Disse em poucas palavras o que o turbilhão de pensamentos que me dava voltas à cabeça não verbalizava. Perguntei-lhe se podia publicar aqui as palavras dela, fazendo-as um pouco minhas, na revolta e noutros sentimentos

Não digo mais nada, nem é preciso nem tenho vontade



AMÉRICA, AMÉRICA...


Quando, em Agosto de 2017 vi as imagens da manifestação nazi calei fundo uma sensação de horror; não tanto pela manifestação, há hominídeos desses, já se sabe, mas por ser na América...
Não seria preciso recuar uma década para que tal atrevimento não fosse possível; em 2017 nem foi atrevimento, foi a manifestação de uma raiva cega, ignorante e crescente que se sentiu liberada pelo poder vigente. 
E foi chocante, suficientemente chocante para que a "parangona" não se repetisse mas atrevimento não foi. 
O presidente da América, o tal que gostava, e gosta, muito da demoníaca criatura que diz que « é preciso combater o regime nazi da Ucrânia», apressou-se a afirmar que se tratava de "Very fine people on both sides"
Mas pronto, Trump deixou a presidência, mesmo berrando e esperneando que ganhou as eleições, mesmo com o absurdo 6 de Janeiro de 2021, e outros numerosos e variados absurdos, foi à vida (com centenas de documentos secretos debaixo do braço) e as probabilidades de voltar caminham a bom passo para um nível nulo

E depois? E Agora? 
Como se garante o encaminhado percurso para um sucedâneo de conservadorismo bacoco  (que nem Conservadorismo é) ?  

Como se mantêm as garantias de impostos baixos ou mesmo nulos ao 1% de Wall Street que tão amavelmente contribui para a estabilidade económica de uns quantos gajos que lhe presta vassalagem?
(A título de mero exemplo, a Amazon - entre muitos outros - não pagou 1 só dolar em impostos após a legislação trumpista entrar em vigor.  Mitch McConnell, que era o "vassalo de serviço" perdeu o seu lugar de Speaker do Senado, houve que colocar outro guarda-freio como Speaker do Congresso e, após 15 voltas eleitorais e cedências inomináveis, lá subiu Kevin McCarthy com a falta de vergonha estampada na cara;  na noite de 6 de Janeiro de 2021 responsabilizou e condenou Trump pelo ataque ao Capitólio; depois pensou melhor e foi até Mar-a-Lago beijar a mão ao padrinho)

Como se dá continuidade à assombrosa ignorância e credulidade obsessiva de quem só ouve, e repete, o que um exército de propagadores de mentiras deslavadas e disseminadores de medos ruminam continuamente?

A coisa começou pelos livros 
(a coisa começa sempre pelos livros)
Foi assim em Alexandria, foi assim em Florença, foi assim na Alemanha, foi assim em Sarajevo, foi assim por todo o lado

A  América -  land of the free and the home of the brave - está a viver tempos culturalmente medievais e, como sempre, tempos socialmente medievais se seguem já bem de perto, já viraram a esquina

Na América... Quem diria? (Quem se segue?)

Agora censuram-se livros nos Estados republicanos
Nas livrarias, na escolas - particularmente nas disciplinas de História. Desde há meses que raro é o dia em que não é acrescentada a lista de "Livros banidos"

Há cerca de um mês no Congresso do Estado do Missouri foi aprovado um pacote de leis sobre a forma como os congressistas se podem vestir; no que diz respeito às fatiotas masculinas nada foi alterado mas as mulheres estão proibidas de ter os ombros descobertos e braços à mostra. Os ombros??? Os braços??? Nem à rainha de Inglaterra passou tal "vitorianismo" pela cabeça. E calças justas, nada de calças justas! Atenção aos decotes, nada onde se atravesse uma mão fechada.  Saia mais de dois dedos acima do joelho esta fora de causa, obviamente.
Eu percebo que o Congresso não é a praia nem uma esplanada mas, que diabo, não tem de ser um patriarcado, todos/as os/as congressistas são maiores e vacinados. Felizmente nada foi legislado sobre congressistas com amantes, que se metam nos copos ou quaisquer outras situações condenáveis pelo verdadeiro e puro pater familias. Não sei se mais algum Congresso estatal, ou outro orgão de poder seguiu esta notável iniciativa mas não me espantaria nem me espantará

E depois apareceram várias propostas legislativas para banir ou restringir drasticamente as pilulas anti-concepcionais. Melhor, algumas das razões apresentadas são de bradar aos céus entre elas: é desnecessária porque o relacionamento sexual só deve existir entre um casal unido pelo matrimónio... É um adjuvante da imoralidade e promotora de relações entre sujeitos não casados... E, a minha favorita, a propagação de estrogênios nas águas que está na origem do aumento da homossexualidade

Tudo isto pode parecer fait divers irrelevantes... 
Não é.
As consequências estão à vista.
E o maior dos problemas é que o que se passa na América não fica na América. 
De 2015/16 em diante vimos espalhar-se como uma praga a normalização da anti-ética, da ilegalidade, da indignidade. Até na Inglaterra, que é a Inglaterra, os ministros admitem que mentiram e não se demitem, nem são demitidos; o ex-primeiro-ministro assume que mentiu ao parlamento (ao povo portanto) mas  "não sabia que estava a mentir" (nem sabia que foi a sua própria festa de aniversário no Nb10)

Esta semana os media do mundo relatavam com estupefacção que a diectora de uma escola pública  na Flórida foi forçada a demitir-se porque, 
durante uma aula dedicada à arte Renascentista, mostrou aos alunos, com 11 e 12 anos, fotografias da estátua "David" de Michelangelo , 
Um pai queixou-se de que as crianças estavam a ser expostas a pornografia, outros dois pais concordaram e exigiram ser notificados previamente sobre o conteúdo das aulas de arte.
(Pergunto-me quanta ocultação e culpabilização são necessárias para ver pornografia na mera nudez e, mais estranho, em representações de arte renascentista. A questão, para o caso é irrelevante mas não deixa de ser... Como direi? Perturbadora? ) 

Posto isto... Que mais se pode dizer? 
Renascimento? Só das trevas
que é para não se ver nada
Nada mesmo,
o que for relatado basta

E é preciso inventar rapidamente uma forma de proíbir o raciocínio, é altamente subversivo

.

O MÉTODO DO DISCURSO

 Não há nada como não ter limites, nem a menor noção de por que é fundamental que existam

Em mais uma demonstração do seu habitual "Vale Tudo", esta particularmente grave porque visa (pretenderia) envolver política externa à escala mundial, o Bode Maligno, discursou perante uma audiência bastante reduzida, mas muito entusiasmada, na reunião anual da CPAC. E verificou que a sua deixa "Sou o único que pode evitar uma 3ª Guerra Mundial" foi um êxito. Vai daí resolveu gravar uma mensagem de campanha com esse mote. 

Nada disto teria a menor importância se não houvesse uma quantidade de acéfalos do seu culto para quem as suas palavras são um evangelho

Não há palavras para as palavras dele, só mesmo as dele

Sem mais deixo o Tweet original publicado por Adam Kinzinger com o tweet do Mini-Donald acoplado, e o mesmo vídeo  publicado pela Forbes (who else?) porque permite legendagem em português sendo o conteúdo igual.

Tweet

Adam Kinzinger #fella

Husband, dad, pilot, Lt. Col in @AirNatlGuard, CNN Senior Political Commentator, former Republican Congressman, and founder of @country_f1rst
@AdamKinzinger

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SOBRE "O DIA DA TRETA", OUTRA VEZ

Gosto pouco de me repetir (REAL GANA: DIAS DA TRETA - 2011) mas, depois da 3ª mensagem sobre a minha aversão ao "Dia da Mulher", passo a esclarecer:


As mulheres têm motivos para reclamar; os homens têm motivos para reclamar; 
Os motivos compõem-se de Direitos Cívis e Humanos, com preponderância dos tutelados pelo Direito Criminal  e não devem ser sexualizados

Se uma mulher não pode conduzir nas Arábias não é uma questão de direitos das mulheres, é uma questão de Direitos Cívis 
Se um homem ou uma mulher são vendidos, com fins diferentes na Líbia, é uma questão de Direitos Humanos; 
Se uma mulher é agredida e/ou violada é uma questão de Direitos Cìvis e Humanos; 
Se uma mulher é paga pelo seu trabalho a um valor inferior é uma questão de Direitos Cívis. 
Se uma menina não pode ir à escola no Afeganistão é uma questão de Direitos Humanos 
Se uma mulher é assassinada no Irão por pôr o lenço na cabeça "da forma errada" é uma questão de Direitos Humanos 
Se uma mulher é vítima de tráfico, de prostituição, laboral ou de órgãos, em nada difere do tráfico de homens ou até de crianças - embora este último seja particularmente nauseante - são crimes contra a humanidade e ponto.
Diz respeito a TODOS, não apenas às mulheres. 

Não vale a pena andar a "sorrisar" "Feliz Dia da Mulher", não mostra respeito, não resolve coisa alguma nem prepara terreno para qualquer alteração do status quo, isso é um trabalho de anos sobre as raízes culturais e sociais vigentes. 
Querem fazer alguma coisa de jeito no "Dia da Mulher"? Formem uma associação humanitária, um grupo de pressão, contactem legisladores, escrevam nos jornais, denunciem situações, activem protestos, etc., etc., etc. Comprar flores não ajuda

Não me venham com tretas, não tenho pachorra

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UMA TEMPESTADE NUMA CHÁVENA DE CHÁ

Rishi Sunak, o actual primeiro-ministro inglês, reuniu-se em Windsor com Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, para tentar desemaranhar o sarilho em que ficou o Protocolo da Irlanda do Norte quando foi fechado o acordo Brexit. 

Para quem não ligou nenhuma ao que aconteceu a coisa é, muito sumariamente, assim: 
A U.E. tem fronteiras fechadas com os estados não membros; 
A Irlanda do Norte tem uma fronteira aberta com a Républica da Irlanda, que é membro da U.E.; 
Ambas as "Irlandas" querem a fronteira aberta (e precisam, para manter estável a convivência pacífica que tão difícil foi de conseguir).
Os Outros países do Reino Unido - Inglaterra, Escócia e Pais de Gales - estão numa situação de Liberdade de Circulação e de impostos sobre bens (com as diferenças de lei que isto acarreta) diferente da Irlanda do Norte, que é "tão Reino Unido" quanto qualquer um dos outros três países

Teresa May deixou o cargo com a situação em aberto, Boris Johnson fechou o acordo com a péssima situação actual e não se coibiu de afirmar: "Se o Protocolo da Irlanda não servir rasga-se".

Após a reunião com von der Leyen,  Rishi Sunak dirigiu-se ao parlamento e agradeceu ao seu antecessor Johnson « pelo trabalho desenvolvido para um acordo entre a UK e a UE». Os membros do parlamento escaqueiraram-se a rir, em ambas as bancadas, apenas o governo manteve a face. Nem comento, apenas acrescento que, significativamente, e talvez surpreendentemente, Keir Starmer, o líder Trabalhista ofereceu a Sunak o voto do seu partido  em apoio à resolução desta arrastada questão. Deve ser assim quando valores mais altos se levantam


Até aqui, mais gargalhada, menos gargalhada, as coisas correram dentro da normalidade  e não gastaria uma letra a escrever sobre o assunto mas, a comprovar  de que um idiota nunca vem só, houve uns tantos que quiseram fazer ouvir as suas indignadas vozes por onde acharam que conseguiriam pegar.
E pegaram por isto:

Finalizada a reunião em Windsor, Ursula von der Leyen encontrou-se com  Carlos III  para um chá no castelo de Windsor - por sugestão do Nb10. 
CA-TA-PUM. Caiu o Carmo e a Trindade lá do sítio. 
E porque o rei se está a imiscuir na política do Estado, porque é inconst... Não, afinal não é... Porque roça a inconstitucionalidade, porque aumenta o risco para Sunak de ver um aumento de contestação do emergente acordo (hha-hhaa-hha), porque parece impossível, porque é cruzar os limites, porque assim e assado e frito e cozido

Portanto, o rei politizou-se porque tomou chá com a presidente da Comissão Europeia. Como se fosse estranho ou novidade os monarcas britânicos encontrarem-se com tudo quanto é líder internacional. 
Não há pachorra... 
Não fora o Protocolo da Irlanda do Norte que estivera em causa e eu queria ver quantas vozes se levantariam. Não fora o Brexit estar a ser lamentado por um crescente número de britânicos... Não fora a saída da U.E. ter sido rejeitada na Irlanda do Norte (e  na Escócia) eu queria ver se estariam tão nervosos. 
Se dúvidas houvesse bastaria ver as capas dos jornais do dia seguinte, apenas o conservadoríssimo Daily Mail tocou na questão e, notavelmente, com uma  pergunta em cabeçalho. (A mim ensinaram-me que uma pergunta não é uma notícia, é uma hipótese subjectiva). Todos os outros só falaram do que realmente importa

Queen Elizabeth II  with Martin McGuinness during her visit to
Northern Ireland in June 2012.
Photo: Paul Faith/WPA Pool/Getty Images
Ignorando o que está em jogo e optando por esquecer o diplomático e fundamental papel que a rainha Isabel II teve na conquista da paz entre "as Irlandas", exercendo o seu "soft power" do alto da sua incontestada respeitabilidade, figuras como  Jacob William Rees-Mogg - o ultra-conservador "brexista" ex-ministro de Johnson e da rapidíssima Liz Truss por oposição a Sunak - ou como a ex-primeira-ministra da Irlanda-N e ex-líder do partido Unionista, cargos dos quais se demitiu após enorme contestação e moção de censura (tendo ido exercer a sua réstia de poder para a Câmara dos Lordes), seguidos por um pequeno coro de fundamentalistas com frustrações bem identificáveis. Ó raça... É que nem os tendencionalmente républicanos embarcaram na cantiga. Ridículos.