Quando vi o resultado das eleições em Londres fiquei como o copo do outro: por um lado meio cheio, por outro meio vazio...
O anterior Mayor de Londres tem em mim um efeito hipertensor, como se não bastasse aquele ar desgrenhado, vagamente debochado, que - azar dos azares - lembra um Donald Trump feito à pressa, deu-lhe para se ensimesmar com aquela tragédia bairrista do Brexit em trejeitos de arruaceiro e nem a alma se lhe aproveita. Poderia ao menos ter a salvaguarda de envergar um carisma British conservador mas nem isso, o homem está nu de um mínimo de classe. Convenhamos, o pobre Boris não teria cabimento em episódio algum de Downton Abbey, pelo menos dentro de casa, fosse upstairs ou downstairs
Ok, chega de Boris, o homem é past tense, mas estou convencida que o candidato conservador, Zac Goldsmith, rapaz bem apessoado, foi irrecuperavelmente prejudicado pela performance do seu co-partidário Mayor.
Ou talvez não... E era aqui que queria chegar ao falar de copos pela metade.
Ocorrem-me variadíssimas pessoas, pensantes e aceitavelmente despreconceituosas, que teriam posto a priori um imediato entrave ao candidato trabalhista por uma única razão, existissem ou não outras: Sadiq Khan foi apresentado, antes de tudo o mais, como "o primeiro candidato muçulmano Câmara de Londres"...
Muçulmano ganhou presentemente uma carga emocional, e social, inegável; nem é preciso que estejamos a considerar tolerâncias, religiões ou filosofias de vida, basta o medo. A ameaça radical é muito real, o desejo de conquista absoluta é difundido de forma omnipresente. O "nós ou eles" está torna-se manifesto num nacionalismo desumano mas facilmente explicável.
Pois. Ameaçada também, e de que maneira, está a capacidade de raciocínio ocidental. Reagimos em auto-defesa, somos confrontados com a nossa fragilidade face à absoluta ausência de escrúpulos, a forma como pensávamos torna-se nublosa - é a lei da sobrevivência, puro instinto.
Pois. Mas não pode ser. A bem do lado positivo e luminoso da humanidade não podemos deixar que assim seja. A nossa vertente humana e racional está muitíssimo mais ameaçada dos que as nossas vidas, é essa que é urgente e fundamental que saibamos salvaguardar.
Quem é Sadiq Khan? De onde vem? Quais são as suas raízes?
Sabem? Eu não sabia.
Acabei de ler um artigo de opinião, editorial do D.N., por Ana Sousa Dias, que me colocou face ao copo meio cheio. Pois é, o hábito não faz o monge, seja quem for o monge, seja qual for o hábito.
Para além de compreender isto, por vezes, é preciso ter a coragem moral para pensar e agir de acordo com o que compreendermos. Que não nos falte.
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«Sadiq Khan não foi eleito mayor de Londres por ser muçulmano, insistem hoje os jornais ingleses, como quem ralha ao resto do mundo por todos sublinharem esse lado do homem que se juntou ao Partido Trabalhista aos 15 anos. E têm razão, porque Sadiq foi escolhido por propor a construção de casas a preços acessíveis, o congelamento do preço dos transportes públicos e o não ao brexit, e fez uma campanha pela positiva. E porque lhe são reconhecidas a qualidade política e a capacidade de diálogo, características que o principal opositor evidentemente mostrou não possuir. E porque a capital britânica quer recuperar a identidade de cidade da abertura, da tolerância e da diversidade. Mas a verdade é que Londres elegeu um muçulmano que combate o extremismo, que foi alvo de uma fatwa por defender o casamento homossexual e que quis prestar juramento no interior de uma catedral anglicana. A questão religiosa está lá e pelo lado mais luminoso. O filho de um motorista de autocarros e de uma costureira, imigrantes paquistaneses, recebeu 1,3 milhões de votos e de imediato se mostrou pronto a zurzir o poder conservador e também o recente líder trabalhista, desaparecido dos holofotes desde domingo.
De Sadiq, o "Citizen Khan", como já foi chamado, há uma outra história ou um outro pai para contar: Naz Bokhari. Nascido no Paquistão em 1937, foi o primeiro muçulmano a dirigir uma escola pública no Reino Unido. Foi nessa escola, em Tooting, no sul pobre de Londres, que Sadiq aprendeu que era possível chegar longe independentemente da cor da pele e da origem social. Naz não se afirmava por ser um professor muçulmano mas por ser um bom professor, e como tal foi reconhecido no país e na comunidade educativa até à morte, em 2011. "Não é o que tu fazes ao longo da vida que realmente importa, é a herança que deixas para as gerações seguintes que faz a diferença", dizia o velho mestre. Deixou uma herança, de facto, através da fundação que se dedica a promover a educação de excelência. E deixou Sadiq Khan, também ele uma prova da herança de Naz.»
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