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AGORA VIVE-SE ASSIM

 O comando do elevador dos vidros do meu carro tem andado cheio de nervos, a janela do condutor às vezes abria mas depois não fechava, às vezes fechava mas depois não abria... e a costumeira arte da procrastinação exercida com mestria: "amanhã vou ver se trato isto".

Aprendi é que coisa é muito mais enervante do que a mera necessidade de arejamento; à entrada de um parque de estacionamento com cancela automática... A saloia tem de abrir a porta do carro para carregar no botão. No drive in do Mcdonald's... A parva  tenta abrir a porta com uma esguelha de espaço para fazer o pedido; e  recolhe-lo é hilariante - nem preciso imaginar o que irá na cabeça dos jovens funcionários. A princesa queria ir com o carro à lavagem automática... Pois mas não vai para não ficar ensaboada e encharcada. Perguntar o nome da rua... Comprar o Borda d' Água ao velhote... Fazer a auto-estrada sem apanhar um resfriado. Enfim, todo um saber de experiência feito recompensou a minha procrastinação

Até que chegou o dia marcado para uns arranjos na oficina e lá fui eu, antes das 8 horas da manhã, 4ºC, janela a meia haste. "Já agora vejam-me lá o botão temperamental". Saí da oficina a tiritar e enfiei-me no café mesmo ao lado para me enfrascar em chá quente antes de conseguir pensar em apanhar um táxi.

Ao fim da tarde voltei para ir buscar o carro e lá estava ele, ali mesmo prontinho para sair; notei logo a diferença, a janela já não estava a meia haste, tinha pelo menos 3/4 de abertura. O amabilíssimo chefe de oficina dirigiu-se a mim com ar pesaroso:" Ah minha querida senhora, não há volta a dar, tem de ser um bloco de comando de janelas novo, só na marca". Pronto, se não há volta a dar vamos a isso.  Não sei se para atenuar a frustração fizeram-me um realíssimo desconto que, posto o IVA, batia os 99 euros. Há anos que sou cliente da MForce (antiga Midas) e só tenho bem a dizer daquela gente; não é publicidade, é reconhecimento 

Enquanto aguardava que me atendessem o telefone na secção das peças "na marca" fui fazendo uma prospecção na net para ter uma ideia do custo do tal bloco. Para meu grande espanto havia uma profusão de blocos a importar da China rondando os 20 euros. Sim, chegariam talvez um mês após a encomenda e, com sorte, não viriam com o modelo trocado. Então "senhor da peças da marca" atendeu: Sim sim, temos em stock e só precisa ligar para as marcações para trazer cá o carro. Sim, sim, é provável que o vejam amanhã. Lá falei com o "senhor das marcações da marca": 

-"Sim, sim, amanhã de manhã, quer assistir ao diagnóstico ou prefere receber o relatório por e-mail?"
-"Diagnóstico??? Mas o carro acabou de ser visto e revisto hoje." 
-"Ahh pois mas é obrigatório um diagnóstico para garantir que o carro não sai com qualquer problema que não tivesse quando entrou"
-"Ahh um diagnóstico de auto-defesa", trocadilhei torcendo o nariz.
Aquilo fez-me confusão, por e-mail? Para mudar um bloco de comandos ao qual EU acedi com um canivete expondo todas as fichas de ligação?

De manhãzinha lá estava eu, "na marca", sendo recebida com  protocolos evidentes que vestem a farda com a simpatia "chapa 4". 
Vamos então dar entrada à viatura... A senhora sabe que será feito um diagnóstico que pode demorar até três dias" 
-"QUÊ? Pára tudo! Três dias? Para mudar um comando de janelas?"
-"Ahh e tal. hoje é sexta-feira, dificilmente lhe entregaremos o carro hoje; Só segunda-feira ou terça..."
-"Meu anjo, nem que viessem entregar-mo no domingo. Vou ligar para uma "oficina electrica" ou eu mesma me arrisco a substituir o bloco a canivete. Diga-me por favor onde vou buscar a peça"
De repente apareceu sob o sorriso "chapa4" uma cara de "Hups"
-"Então espere, eu vou falar com o chefe"

Enquanto o anjo foi falar com o chefe eu liguei para a "Bosch - car service"; para o dia estava a agenda preenchida... "Então e não me sabe dar uma sugestão de alguém que me veja isto? Sei que é preciso ter lata mas nem quero pensar passar o fim de semana com um convite ao roubo escarrapachado na janela... " Ter lata às vezes compensa e a despachada senhora lá me indicou um electricista

Voltou o anjo com notícias do chefe; então entregavam-me o carro ao fim da tarde, sem garantia de que estivesse arranjado mas com o diagnóstico feito e fechavam a janela. 
-"Hum, então e agora?" 
-"Agora vamos fazer a entrada do carro... O Diagnóstico tem um custo de 105 euros mais IVA, a peça são 178 euros mais IVA ao que será somado o tempo de serviço de ofi... "
-"Não diga mais nada - disse eu já com pena da dedicadíssima funcionária - esta casa cobra-me quase duzentos euros por uma peça que não interfere com a segurança do carro e que é vendida na net a menos de 20 euros mas ok, eu preciso da peça com urgência, propõe-se cobrar-me cento e tal euros por um diagnóstico obrigatório, supostamente para vossa segurança, que eu não quero, não preciso e que só me serve para atrasar a resolução do problema que me trouxe aqui e eu julgava que tinha lata...
-"É o procedimento da...
-"Meu anjo, a menina não tem culpa mas importa-se de ler em voz alta o que está escrito na parede à sua frente e, aliás, no site oficial da marca?"
-"Ler em voz alta?"
-" Está bem, leio eu: «Realizamos um check-up gratuito ao seu *****, antes de qualquer intervenção. Assim, saberá exatamente o que é preciso fazer e quanto custará, para que possa decidir da forma que lhe for mais conveniente». Por favor não perca mais tempo comigo a explicar que consideram existir uma diferença entre "check-up" e "diagnóstico", diga-me só onde posso ir comprar a peça para me ir embora."
A doce menina fez questão de me acompanhar ao balcão de compra de peças e pelo caminho foi confessando que realmente... Também o "senhor das peças", com quem falara na véspera, meteu a sua colherada:
- "Então vai levar a peça, não a atendem na oficina?" - Lá lhe expliquei sumariamente - "Pois, é um abuso cobrarem o diagnóstico às pessoas, quando vim para cá trabalhar não era assim..."
-"Sinais dos tempos meu caro senhor"

Como esta história acabou? Acabou bem, muito bem. Fui ter com o tal electricista que a despachada senhora da Bosch me indicou, homem de ar lavado com a vontade de ajudar estampada na cara. Pediu-me para esperar dez minutos, agarrou no bloco de comando, puxou do canivete e em cinco minutos ou menos tinha o problema resolvido. Por meia dúzia de patacos Abençoado.

Este paleio todo por quê?
Porque preciso desabafar, não gosto de chicos-espertos, não gosto da forma como se considera normal entrar no bolso alheio anunciando-a como uma boa-prática. Gente desta sempre houve, obviamente, mas não proliferava como agora, como sendo o pão nosso de cada dia a cobrança imposta de serviços que não se prestam e que não são necessários 
No pouco que possa depender de mim não vou deixar de alertar para esta cambada que vive à conta da boa-fé e da necessidade das pessoas, dos acordos com as empresas que beneficiam ambas as partes e que, quando são públicas, é mais um pedaço que nos sai do bolso.  A normalização da negociata, do abuso, do "estou-me nas tintas" tira-me do sério, a aceitação disto enfurece-me e, o pior, é que vem de cima, de quem deveria representar a "lei e a ordem".
Vive-se assim, vive-se a saque.

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