Nesta coisa dos dias de celebração há dois nos quais emperro particularmente:
O primeiro é "O Dia da Mulher" por razões que já por aqui expus mais de uma vez.
O segundo é "O dia dos Namorados", essa espécie de "Dia de Ir ao Bolso" dos corações mais jovens, incautos, susceptíveis, a "Black Friday dos românticos e engatatões". Tirem-me deste filme! Por que não se celebra o dia dos casados? Ah pois, não rende e poderia trazer muita complicação, vão jantar fora no dia do aniversário de casamento e está tudo certo. Podia ser assim com os namorados, podia, mas não era a mesma coisa, o rio de euros fluiría mais lento...
Porém... nem o bom é bom de todo nem o mau é mau de todo...
Corria o ano de 2016 e, entre outras "novelas", em Fevereiro assistia-se às primeiras declarações bombásticas do programa de campanha de Donald Trump para as presidenciais : "I'm gonna built a great wall..." Nesse ano o dia 14 de Fevereiro foi um domingo e pelo meio da tarde dei um salto ao centro comercial do Campo Pequeno para comprar uma torradeira, cigarros e tomar café. Quando saía da tabacaria esbarrei com um amigo relativamente recente, conhecíamo-nos havia pouco mais de meio ano mas mantínhamos empolgantes conversas essencialmente sobre política nas suas múltiplas facetas; não eram muito frequentes porque este cavalheiro é um súbdito de Sua Majestade que apenas se deslocava a Lisboa periodicamente em trabalho mas trocávamos e-mails com frequência, tanta quanto o desenrolar das "novelas" politiqueiras nos motivava e, convenhamos, a época era fértil em assuntos extravagantes.
Ficámos ali em pé num blá-blá-blá infindável. Cansada de mudar o peso do corpo de um pé para o outro sugeri que nos sentássemos por ali onde nos dessem um café. A rotunda do centro comercial estava cheia e incomodamente barulhenta; ele sugeriu o provecto Old Vic, a três passos dali.
Chegados. sentados e servidos fomos presenteados com umas bases para copos em forma de coração e o atencioso empregado sorriu-nos um "Feliz dia dos namorados", devolvi-lhe o sorriso perguntando "Tem amendoins salgados?" Com cara de gafe o pobre homem retirou-se com um "trago já" enfiado da cabeça aos pés; o meu amigo engoliu uma gargalhada e balbuciou "Peanuts? That's a good aswer..." E por ali ficámos a falar da campanha das presidenciais nos USA, dos desaires do governo na Venezuela, da visita do Papa Francisco ao México... Blá-blá-blá completamente alheados do ambiente circundante abençoado por S. Valentim. A dada altura olhei para o relógio e achei por bem fazer uma breve chamada para dizer ao meu filho que não tinha desaparecido em combate; enquanto desligava o telemóvel o meu amigo chamou o empregado e pediu-lhe uma folha de papel, de um bloco de notas servia. Sacou da caneta e começou a rabiscar com alguma hesitação, tentando lembrar-se de alguma coisa. Quando acabou, sem uma palavra, estendeu-me a pequena folha de papel ; era um pedaço de um livro de Guimarães Rosa, em português, sem erros
Li, reli e perguntei: "Sabes de cór textos em português?" Explicou-me que uma das formas que usava para fixar vocabulário e construção correcta era traduzir pequenos textos de que gostava e memoriza-los; pausou, sorriu e rematou: "Está a ficar tarde, queres jantar?", "Hoje não, respondi, tenho um adolescente esfaimado em casa, estás cá amanhã? «Há qualquer coisa no ar além dos aviões» (Guimarães Rosa)"
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