Não é apenas para fazer um registo para memória futura que hoje transcrevo na integra o discurso de Zelenskyy aos ucranianos, no dia a seguir à inesperada divulgação por todos os media do "plano de paz" proposto por Trump.
Ontem, depois de escrever o que se me ofereceu sobre esse "plano", que não de paz mas um vergonhoso rascunho de intenções de negócios, nada mais, deixei registados os 28 pontos, esses sim, para memória futura, um testemunho sobre a vil natureza de Trump nas suas próprias palavas.
O discurso que Zelenskyy fez hoje é a resposta possível mas é muito, muito mais do que isso.
Zelenskyy é, neste momento, uma fera acossada. Sabe que lhe estendem armadilhas sob os pés, no chão que pisa ao longo do caminho que tem forçosamente de percorrer
Os seus colaboradores estão sob uma teia de tentações que se vão tornando mais reluzentes à medida que a guerra se estende no tempo, no cansaço, na perda humana. O seu povo está sujeito à manipulação diária de sentimentos, das prolongadas dificuldades, do medo de que o "dia seguinte" não amanheça para cada um deles, para os seus filhos. E os bombardeamentos não são só feitos de aterradoras explosões, também são lançadas quotidianamente cargas de desinformação para matarem a esperança, a coragem, a resistência; são fabricadas para criar divisão, semear perspectivas de um "novo líder salvador" que anuncie finalmente a paz, de um dia para o outro. A Rússia aposta neste número desde os 3 primeiros dias em que não conseguiu depor Zelenskyy
Zelenskyy sabe que não está só, que tem mãos fortes sobre os ombros a cada momento mas não é a solidão que lhe dói, é a traição, a ausência de valores, os interesses mesquinhos e egóticos, a injustiça tenebrosa«Precisamos de unidade mais do que nunca, para que possa haver uma paz digna na nossa pátria »
Discurso do Presidente
21 de Novembro de 2025 - 16:50
Há um momento na vida de cada nação em que todos precisam de falar sobre as coisas. Honestamente. Com calma. Sem especulações, rumores, mexericos, sem nada de mais. Exactamente como as coisas são. Tal como sempre tentei falar convosco.
Este é um dos momentos mais difíceis da nossa história. Neste momento, a Ucrânia está sob uma das pressões mais fortes de sempre. Neste momento, a Ucrânia pode encontrar-se perante uma escolha muito difícil. Ou a perda da nossa dignidade ou o risco de perder um parceiro fundamental. Ou os difíceis 28 pontos, ou um inverno extremamente duro - o mais duro de sempre - e os perigos que se lhe seguem. Uma vida sem liberdade, sem dignidade, sem justiça. E que confiemos em alguém que já nos atacou duas vezes.
Eles esperam uma resposta da nossa parte. Mas a verdade é que eu já dei essa resposta. Em 20 de Maio de 2019, quando prestei juramento de lealdade à Ucrânia, disse nomeadamente: «Eu, Volodymyr Zelenskyy, eleito pela vontade do povo como Presidente da Ucrânia, comprometo-me com todas as minhas acções a defender a soberania e a independência da Ucrânia, a defender os direitos e as liberdades dos seus cidadãos, a respeitar a Constituição e as leis da Ucrânia, a cumprir os meus deveres no interesse de todos os meus compatriotas e a reforçar a posição da Ucrânia no mundo.» Para mim, não se trata de uma formalidade protocolar a assinalar - é um juramento. E, todos os dias, me mantenho fiel a cada uma das suas palavras. E nunca o trairei. O interesse nacional da Ucrânia deve ser respeitado.
Não estamos a fazer declarações em voz alta. Trabalharemos calmamente com os Estados Unidos e com todos os nossos parceiros. Procuraremos encontrar soluções de forma construtiva com o nosso principal parceiro.
Exporei os argumentos. Irei persuadir. Oferecerei alternativas. Mas uma coisa é certa: não daremos ao inimigo razões para afirmar que a Ucrânia não quer a paz, que está a sabotar o processo e que é a Ucrânia que não está preparada para a diplomacia. Isso não acontecerá.
A Ucrânia vai trabalhar rapidamente. Hoje, no sábado e no domingo, durante toda a próxima semana e durante o tempo que for necessário - 24 horas por dia, 7 dias por semana - lutarei para garantir que, de entre todos os pontos do plano, pelo menos dois não sejam esquecidos: a dignidade e a liberdade dos ucranianos. Porque tudo o resto assenta nisto - a nossa soberania, a nossa independência, a nossa terra, o nosso povo. E o futuro da Ucrânia.
Tudo faremos - e devemos fazer - para que, como resultado, a guerra termine, mas que não termine a Ucrânia, que não termine a Europa nem a paz mundial.
Acabei de falar com europeus. Contamos com os nossos amigos europeus que compreendem perfeitamente que a Rússia não está algures longe - está mesmo ao lado das fronteiras da UE, que a Ucrânia é hoje o único escudo que separa a vida europeia confortável dos planos de Putin. Recordamos: A Europa esteve connosco. Acreditamos: A Europa estará connosco.
A Ucrânia não pode viver um déjà vu do dia 24 de Fevereiro, quando nos sentimos sozinhos, quando ninguém podia deter a Rússia, excepto o nosso povo heroico que se ergueu como uma muralha contra o exército de Putin.
E, claro, foi bom ouvir o mundo dizer: "Os ucranianos são incríveis; meu Deus, como eles, os ucranianos, lutam; como os ucranianos se aguentam; que titãs eles são». E é verdade, sem dúvida. Mas a Europa e o mundo inteiro também têm de compreender outra verdade: os ucranianos são, antes de mais, seres humanos. E durante quase quatro anos de invasão em grande escala, temos estado a conter um dos maiores exércitos da Terra. E temos mantido uma linha da frente que se estende por milhares de quilómetros. E o nosso povo suporta bombardeamentos nocturnos, ataques com mísseis, ataques com mísseis balísticos e ataques “shahed”. E todos os dias, o nosso povo perde os seus entes queridos. O nosso povo quer desesperadamente que esta guerra acabe. Sim, somos feitos de aço mas qualquer metal, mesmo o mais forte, pode ceder.
Lembrem-se disto. Fiquem com a Ucrânia. Fiquem com o nosso povo - e isso significa ficar com dignidade e liberdade.
Caros ucranianos!
Recordem o primeiro dia da guerra. A maioria de nós fez a sua escolha, a escolha pela Ucrânia. Recordem os nossos sentimentos nessa altura. Como é que foi? Escuro, barulhento, pesado, doloroso. Para muitos aterrador. Mas o inimigo não viu as nossas costas a fugir. Viu os nossos olhos - cheios de determinação para lutar pelo que é nosso. Isso é dignidade. É a liberdade. E esta é verdadeiramente a coisa mais aterradora para a Rússia: ver a unidade dos ucranianos.
Nessa altura, a nossa unidade centrava-se na defesa do nosso país contra o inimigo.
Agora, mais do que nunca, precisamos de unidade, para que possa haver uma paz digna no nosso país.
Dirijo-me agora a todos os ucranianos. O nosso povo, os cidadãos, os políticos - toda a gente. Temos de nos recompor. Recuperar o bom senso. Parar com disputas. Parem com os jogos políticos. O Estado tem de funcionar. O parlamento de um país em guerra tem de trabalhar em unidade. O governo de um país em guerra tem de trabalhar eficazmente. E todos juntos não devemos esquecer - e não devemos confundir - quem é exactamente o inimigo da Ucrânia hoje.
Lembro-me de como, no primeiro dia da guerra, vários “mensageiros” me trouxeram diferentes planos, pontos; havia ultimatos para acabar com a guerra. Diziam: ou é assim, ou não é. Ou assinas, ou não assinas. Ou assinas o acordo ou serás simplesmente eliminado e um “Presidente interino da Ucrânia” assiná-lo-á em teu lugar.
Todos sabemos como é que isso acabou. Muitos desses “mensageiros” tornaram-se mais tarde parte do nosso fundo de intercâmbio e foram enviados, juntamente com as suas propostas e pontos, de volta ao seu “porto de origem”.
Nessa altura não traí a Ucrânia. Senti verdadeiramente o vosso apoio por trás de mim - de cada um de vós. De cada ucraniano, de cada soldado, de cada voluntário, de cada médico, diplomata, jornalista, de toda a nossa nação.
Não traímos a Ucrânia nessa altura, não a trairemos agora. E sei com certeza que, neste que é verdadeiramente um dos momentos mais difíceis da nossa história, não estou sozinho. Sei que os ucranianos acreditam no seu Estado, que estamos unidos. E em qualquer formato futuro de reuniões, discussões, negociações com parceiros, ser-me-á muito mais fácil assegurar uma paz digna para nós e persuadi-los, sabendo com absoluta certeza: o povo da Ucrânia apoia-me. Milhões do nosso povo, pessoas dignas, pessoas que lutam pela liberdade e que conquistaram a paz.
Todos os nossos heróis caídos, que deram a vida pela Ucrânia, que estão agora no céu e merecem ver lá de cima que os seus filhos e netos viverão numa paz digna. E essa paz há-de chegar. Digna, efectiva e duradoura.
Caros ucranianos!
A próxima semana será muito difícil, cheia de acontecimentos.
Sois uma nação madura, sábia e consciente, que já o provou muitas vezes. E compreendem que, desta vez, haverá uma enorme pressão - pressão política, informativa, de todos os tipos. Concebida para nos enfraquecer. Para criar uma cunha entre nós. O inimigo nunca dorme - e fará tudo para nos fazer falhar.
Vamos deixá-lo fazer isso? Não temos o direito de o fazer. E não o faremos. Porque aqueles que procuram destruir-nos não nos conhecem bem, não compreendem quem somos verdadeiramente, o que somos, o que defendemos, que tipo de pessoas somos. Há uma razão para assinalarmos o Dia da Dignidade e da Liberdade como feriado nacional. Mostra quem somos. Mostra os nossos valores.
Trabalharemos na arena diplomática em prol da nossa paz. Devemos actuar em unidade dentro do país em prol da nossa paz, pela nossa dignidade, pela nossa liberdade. E eu acredito - e sei - que não estou sozinho. Comigo está a nossa nação, a nossa sociedade, os nossos guerreiros, os nossos parceiros, os nossos aliados, todo o nosso povo. Digno. Livres. Unidos.
Feliz Dia da Dignidade e da Liberdade.
Glória à Ucrânia!
Fonte: Official website of the President of Ukraine
