No tempo da outra senhora a malta não podia falar. Bem, não é exactamente verdade, qualquer português podia falar alto e bom som desde que estivesse sozinho e se certificasse de que não era escutado; Também podiam existir ajuntamentos de dois portugueses, desde que falassem baixo e houvesse uma razoável certeza de que um dos dois não curtia com "a secreta". Mais do que isto... pois cada um que fizesse como lhe aprouvesse desde que estivesse disposto a arcar com possíveis consequências.
Depois veio o 25 e isso é que foi uma festa! Toda a malta falava, toda a malta berrava aos quatro ventos arejando o pulmãozito que era um consolo. Agora sim, berrava a esquerda, insurgia-se a direita, ninguém era de centro e, tal como a actual música pimba, não interessava muito a letra, o que era preciso era um refrão que ficasse no ouvido.
E agora, 33 anos depois? Agora é uma bimbalhada total.
Já não há a emoção de falar contra o governo: Todos falamos contra o governo, em plena liberdade e sem medo de que nos oiçam, o problema agora é outro: podemos ter a certeza de que ninguém nos ouve, muito menos o governo e, mesmo que ouça não tem importância nenhuma, nós somos os "burros" eles estão "nos céus".
Também já não há fervor revolucionário, 33 anos depois não há revolucionarismo qu´aguente. A malta brama, pois que brama... A malta brama nos cafés, no supermercado, a seguir aos telejornais, no emprego, nos transportes, etc. E pronto, bramou está bramado. Soma e segue que a coisa é mesmo assim e o que é que vamos fazer? Aqui vem-me à memória o refrão do Abrunhosa: "talvez..."
Ora bolas! Tanta resistência anti-fascista, tanto povo a ser quem mais ordena, mais a Europa e o novo milénio e aonde é que chegamos? Diariamente somos confrontados com o desrespeito pelo cidadão e, pior, pelo Ser Humano.
São-nos impostas leis que não lembrariam a uma comissão de trabalhadores, do "Verão quente", somos confrontados com preços e impostos injustificáveis e paralisantes para o crescimento da Economia, reduzem-se os Direitos a olhos vistos, a Justiça além de cega é uma pêga cara e melosa no andar. Os professores, na sua larga maioria, são a fingir, os hospitais fecham porque saem caros ao Estado (ao contrário dos saláriozinhos dos "boys"), as casas atingem valores incomportáveis mesmo para quem triplica o salário mínimo, não falando já no comer e no vestir que é para não ser deprimentemente comezinha.
O que mais me lixa é a impunidade de quem se julga "governante", o cagar d´alto para a malta.
E a malta? A malta merece... A malta vive encurralada entre o desânimo e o próximo fim de mês, dá de ombros perante o que crê inevitável.
Este país parece a sala de espera para a consulta de geriatria.
Será que ficámos todos traumatizados com o "come e cala-te"'?
Parece-me que os portugueses sofrem de um complexo de tutelados: têm uma aceitação infantil da "autoridade paterna" e, do mesmo modo infantil, vão exercendo a sua rebeldia imatura em contestações inconsequentes e infrutíferas. Bramam que não comem... mas comem, pela medida grande - e depois de comerem, mais uma vez humilhados, calam-se afagando o seu sofrimento com um "pronto, já passou...".
As Pessoas têm direitos e podem fazê-los valer, mesmo num país de instituições autistas. Podem, a sério... se quiserem, se largarem o conformismo, a preguiça, o "respeito/medo" da pseudo-autoridade como se fossemos todos miúdos de escola ( da escola da outra senhora).
Gente, há coisas que só se resolvem à chapada, com ou sem mão, e se for preciso ficar com um olho negro, paciência, mas ao menos que seja o esquerdo ou o direito...