Hoje acordei de chuva, ninguém me fez mal mas acordei assim, com um feitiozinho virado para o pró-soviético. Além da chuva foi segunda-feira, a coisa combina tão mal quanto uma camisa às riscas com uma gravata às bolas. Mas pronto, em piloto automático fui à vida: tratei dos cães - que não queriam pôr uma pata fora de casa (estava de chuva numa segunda-feira.) - deixei almoço, escrevi recados em post-it cor-de-rosa que colei no espelho da casa de banho e fui à vida. Cumpri com deveres de vários tipos, tomei um café, encomendei um frango, cumpri mais, exercitei (bastante) a paciência e finalmente suspirei um "acabou".
Quanto fechei a porta "aosafazêres" fui buscar o frango ali ao lado. Chovia que o céu a dava. Parei à entrada da pequena casa dos frangos. Melhor dizendo, estaquei. A Maria José dos frangos, que me topa à légua, olhou para mim e disse hesitante:
- Pode entrar...
Num tom vagamente stalinista respondi-lhe:
- Não, não posso, está aí um cavalheiro sem máscara a 30cm do seu colega, a respirar para cima dele enquanto ele trabalha e manuseia comida. É melhor para todos eu não entrar...
A avantesma olhou para mim, meteu a mão no bolso e retirou uma máscara que se dispôs a colocar com ar enfadado. Se fosse sexta-feira e estivesse Sol talvez me tivesse contido mas não era o caso:
- Tenha paciência mas explique-me por favor, se o senhor tem uma máscara no bolso, está dentro de uma loja de comida com três pessoas a trabalhar e três à espera aí dentro porque está a chover, por que raio não a tinha posta?
Responde a avantesma com o mundo inteiro a olhar para ele banhando-o em curiosidade:
- Hoje os números já baixaram...
A vingança tomou conta de mim: ou lhe chamava "cavalgadura" ou reunia contra ele as Tropas do Olhar Acusatório. Assumi o comício e falei para o povo, todo de máscara, que esperava o desfecho com interesse:
- Ah, tem razão, há 3 dias passámos os 2600 novos casos, que se saibam, hoje, apesar de ser segunda-feira e os números são sempre mais baixos, nem chegamos aos 1950, foram só uns ranhosos 1949. Desculpe-me, tem razão, vamos tirar a porcaria das máscaras e abraçar-nos de alegria.O mundo está cheio de cavalgaduras, muito mais do que eu suspeitava.