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COINCIDÊNCIAS

 Hoje, de regresso a casa, olhei para o meu maço de cigarros e tinha menos de meia-dúzia; aliando essa constatação dramática à vontade de tomar um café encaminhei-me para a primeira pastelaria que me apareceu. À entrada segurei a porta para dar passagem a uma senhora que vinha com uma menina pela mão. Agradeceu-me, cruzamos o olhar e caímos nos braços uma da outra. Tantos anos! Mais de dez? Talvez mais, calculou ela. Pedimos café, um leite com chocolate para a menina e sentamo-nos à mesa do fundo. "É tão parecida contigo a tua neta...Como está o teu irmão? Também nunca mais o vi...". Ela devolveu-me um olhar prolongado, pro-lon-ga-do. "É imperdoável, não te disse nada... O Nuno morreu, fez 7 anos em Setembro, dia 11 de Setembro..."

O Nuno morreu há mais de 7 anos, soube hoje, Dia de Reis, o que é uma coincidência muitíssimo apropriada, tendo em conta uma conversa que tivemos sobre "coincidências". 

Entrei em casa direitinha à procura de uma referência a essa conversa, está numa "carta" que me escreveu, aqui no blog, porque eu lho abri. Ao reler a carta do Nuno, atafulhada sob centenas de escritos blogados durante anos, apercebi-me de algumas coisas que na altura não tinha como notar:  Foi escrita no dia 11 de Setembro de 2007, no mesmo dia em que, 10 anos depois, deixou esta vida. Fiquei banzada. «Hoje estamos sob céus diferentes com estrelas diferentes», dizia ele... E é uma carta de despedida,  despede-se falando de um reencontro

Hoje quero voltar a tê-la aqui, relembra-la, relembrar as conversas que tínhamos, o seu espírito atento e analítico, relembrar-me de que «Creio que se pode viajar na minha Ilha sem mapa» e que "as pessoas que precisam de explicações" são as que têm mais dificuldade em apreender para lá das aparências.

Obrigada Nuno, até ao dia em que coincidamos sob um mesmo céu

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Querida Alexandra,

Muito obrigado por me dares acesso a escrever para teu Blog.

O que te estou agradecendo é o “cheque em branco” que me entregas numa confirmação de confiança depositada.

Mas…

Tu que és uma mulher lúcida e sábia, és, também, generosa na confiança que atribuis àqueles que inscreves no teu livro de amigos.

Sei…

Sei que não é fácil conseguir um “passaporte” (para usar uma expressão  tua) e transpor a fronteira da tua amizade.
Sei que é um território onde não mais poderá passear-se alguém que traia ou desrespeite as tuas sólidas portas franqueadas.

Sei… Mas…

Será que todos os que têm um lugar na tua “Isola dell'Amicizia” o sabem? Será que quando entregas os passaportes emitidos no arquivo 
profundo da tua alma explicas que no núcleo do teu claro respeito pela liberdade alheia – e pela tua, há que ter presente – se condensa o buraco negro pelo qual são expurgadas do teu universo as almas pouco avisadas que não reconheceram o limite, o ponto sem retorno?

Será? Não sei… Mas creio que não.

A mim não me explicaste nada. Nem manual de instruções, nem mapa, nem sinalização de via.
Um fim de tarde sem pré-aviso, um olhar telepático e a chave dos símbolos. Nascia uma amizade
ali, sob o Arco da Rua Augusta, frente ao Cais das Colunas… Depois viraste a Oriente e quiseste ir molhar a garganta ao Martinho. Acompanhei-te à esplanada convencido de que me irias explicar qualquer coisa acerca de ti.
Nada!
Antes mesmo do primeiro trago rasgaste os véus da conveniência esmagadora e deixaste voar a sinceridade absoluta, corajosa, despida de calculismo. Não falaste de ti nem de mim nem de ninguém, só da Vida. E dos labirintos dos Tempos. E da “persistência da memória”. Pela primeira vez tive um entendimento além-visual do quadro de Dali. E enquanto pensei isto, no quadro, num estalar de dedos já estavas a arrumar os cigarros: “Tenho de ir, deixei o carro em estacionamento proibido”. Obviamente! Foi a primeira e única frase tua que não me surpreendeu, essa tarde.

Crês que se pode viajar na tua Ilha sem mapa?

Sei que acreditas que deve ser assim.
Uma das tuas histórias favoritas é a do “Petit Prince” que fala sobre o seu desenho, o da cobra que engoliu um elefante, e que "as pessoas que precisam de explicações" acham que é um chapéu. São os teus testes para o diferimento de passaporte, e para teu divertimento.

Talvez te recordes de uma vez te ter perguntado o que fazes quando te perdes. Sem sombra do dramatismo a jusante da minha pergunta respondeste num inesperado sorriso aberto:
”Isso é fácil, guio-me pelas coincidências, os caminhos importantes têm um traçado, o problema é quando não percebemos que nos perdemos. As coincidências são estrelas-guias do nosso caminho.”

Hoje estamos sob céus diferentes com estrelas diferentes. 

Talvez os nossos universos pessoais, com todos os seus buracos negros, tenham uma passagem e do outro lado se abra num buraco branco num mergulho na Luz que sempre quiseste buscar, e caídos dos céus aos trambolhões, conduzidos pelas “tuas” estrelas-guias, coincidentes, interceptivas, talvez nos reencontremos na tua “Isola dell'Amicizia”.

Por certo, querida Amiga.


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