Nada disso, desenganem-se as maldosas e torpes mentes. Se o bom povo assim decidiu está decidido, prefiro viver com isso do que num país onde a minha decisão, ou a de fosse quem fosse, fizesse lei.
Aqui para nós que ninguém nos ouve acho que o bom povo é assim a modos que virado para o masoquista, um tanto crédulo, no que toca a ameaças de que os papões vêm aí para o comer, e um tanto incrédulo no que respeita ao facto de que há mesmo papões que andam impunemente a papar à fartazana e à sua conta. Enfim, se esse é o preço da democracia eu pago.
O que me chateia não é que José tenha ganho as eleições; o que me chateia é que a Democracia cujo preço me disponho a pagar de livre e boa vontade é uma democracia de contrafacção, parece uma mala Louis Vuitton comprada em Chinatown por "tan dolár": rasga pelas costuras de tanta trampa que contém, o material de que é feita só engana os incautos, a marca que exibe é falsa e falsamente exibida à custa da imagem, as pontas por onde se lhe pega não podem sofrer grandes abanões - a cola é dura mas o material é frágil, se rasga vem tudo atrás.
Pois chateia-me pagar por esta democracia tanto, digo, mais do que pagaria por uma autêntica na qual o povo fosse de facto soberano, a sua vontade respeitada, na qual o humanismo imperasse e o país fosse de facto o mais importante. Chateia-me não viver numa Democracia a sério, na qual a Pessoa é mais importante do que o Estado e não tratada como uma mera pega que pode berrar o que quiser desde que entregue os proventos. Chateia-me viver num Estado chulo que conta com uma justiça paralisada, estratega, dependente e viciada.
A parte que me chateia é que actualmente a situação não tende minimamente a inverter-se, a melhorar. Na era em que a informação está disponível sem censuras, a baixo custo e ilimitadamente como nunca esteve, só uma ínfima parte dela é aproveitada e, frequentemente, mal.
Os livros estão caros... Estão, imoralmente caros e sobretaxados, mas não mais caros que os video-jogos, o último télélé G5 ou os cremes para a celutite-de-pasteis-de-nata comprados à revendedora por catálogo. E não há tempo para ler... É verdade, há pouco, por mim falo, mas vai havendo para a novela, para o chat, para o jornal da treta ou para ir ao café discutir os penalties.
A ignorância é abismal e o desinteresse ronda a apatia: quanto menos se sabe menos perguntas se fazem, menos dúvidas se têm, menos respostas se buscam; "nunca se pensou nisso" e, perante a ideia ou facto, passa-se adiante, sem culpa nem consciência.
Na era em que a informação foi verdadeiramente democratizada o Conhecimento tornou-se, em Portugal, mais elitista do que nunca e, com ele, a liberdade de pensamento. Isto Chateia-me!
Chateia-me a falta de criatividade, de imaginação e de humanismo institucionais.
Chateia-me que a criatividade e a imaginação florescente nas crianças, e na maior parte dos jovens, sejam sistematicamente abortadas por conteúdos programáticos idiotas e pretenciosos, pedagogicamente muito "elaborados" e vazios da chispa de Inteligência, com a motivação criativa de uma minhoca tonta.
A imaginação pode voar nessa actividade solitária e quase anti-social que decorre horas a fio entre um jovem humano e uma consola de jogos ou uma televisão mas a criatividade vai murchando por falta de rega e Sol.
A vida está muito difícil... pesada, cara, preocupante, desgastante. Não há tempo, há poucos risos, poucos abraços, sonhos esquecidos, perdidos.
Impera o cinzento, o conformismo e, obviamente, a depressão. Não há nada a fazer, a vida é assim... Chateia-me o conformismo.
Chateia-me o nacional-saloísmo e o nacional-porreirismo, chateiam-me os pindéricos, os amorais, os chicos-espertos, os complexados por baixo e arrogantes por cima.
Chateiam-me os lobbies ocultos e supra-partidários que cozinham líders, ministros, directores e todos os mais que forem necessários dentro das teias da inter-protecção; Chateiam-me as leis feitas à socapa, a metro e à medida, chateia-me a impunidade da mentira, da negociata, do roubo, do corrupto, do favoritismo, ou seja, da total e consciente ignorância dos Bons Costumes, da Honra, do Carácter, numa palavra, do Respeito.
Se estou chateada com a vitória de José? Ó gente... Eu quero lá saber da vitória de José; José colabora, oculta, cala, mente mas nem tudo, nem metade, é culpa de José, antes fosse, seria mais fácil... José teve uma vitória merecida dada por um povo que talvez o mereça, ou talvez não.
José é um menino prodígio, vindo de onde vem, que caminhou por onde caminhou, por entre os enredos em que está, onde se meteu, em companhia dos que procurou e / ou dos que aceitou como companheiros.
No meio de toda a infernal salgalhada que brota sob a superfície do nosso país José é um mimo de menino, mais falcatrua menos falcatrua, mais mentira menos mentira, mais licenciatura menos licenciatura. É um pulheco com sorte, é uma obstinadíssima ave trepadora.
José acredita que é o Rei do tabuleiro do xadrez nacional... O "animal feroz" que vê em si próprio e que sabe ser "bonzinho" por conveniencia ou "magnanimidade".
José é um peão favorecido enquanto acreditar que é o "Obama europeu" - pronto, um Obama de contrafacção, descolorido e cidadão do burgo que se fascina ao ver-se como "mais um inter pares" nas reuniões dos líders mundiais, porreiro pá - enquanto os seus sonhos pessoais lhe transmitirem a inegável força e alento de menino mimado.
Será que já passou pela cabeça de José que a força que o sustem ao abrigo da exposição pública nada tem a ver com respeito ou mesmo temor por parte dos seus comparsas? Deve ter passado, digo eu, José não é estúpido... É bem possível que José acredite que ninguém o vai deixar cair porque o desmoronamento que se seguiria seria um amargo inconveniente para influentes cabeças. Eu também acredito.
Sabem o que me chateia mesmo, mas mesmo mesmo?
Que o meu sonho da noite pós-eleitoral, sim, a noite da «vitória da decência e da elevação na política», como disse José, não tenha sido real - a esta hora estava eu bué da fixe a cuidar da minha plantação de cangurus algures numa pradaria daquela ilha imensa e até mandava um bilhete postal a José, com a fotografia da Ópera de Sidney, a dizer-lhe: " Querido José, deixe-se estar onde está que esta muito bem e, se lhe der para imigrar, please dear, GO WEST!"