Ah e tal, a Nancy Pelosi pode ter uma posição muito digna na defesa dos direitos humanos contra a China, no apoio da democracia independente em Taiwan, mas não precisava de ter ido provocar o governo chinês teimando numa visita à próspera e liberal ilha que tanto lhes provoca o apetite.
Muito menos numa altura destas... Que teimosia!
Sim numa altura em que o poder militar ocidental está a braços com a defesa da Ucrânia, dos países bálticos, das vizinhanças ameaçadas e das ameaças que não estão nas vizinhanças.
Hoje em dia já nada é longe.
E a crise económica. E energética. E a recuperação pós-pandémica. E...
Não venho aqui defender a Nancy, nem ela precisa. Aliás a verdade é que não é senhora de fazer grandes démarches em sua defesa, quando não engole o discurso rasga-o publicamente e vai tranquilamente à sua vida, como é sabido.
Venho aqui porque já me enjoa o discurso de "colocou em risco um equilíbrio instável" ou, como é afirmado num lamentável artigo no "Expresso", "Taiwan, China, Estados Unidos – e o risco crescente de uma guerra mundial depois da visita de Pelosi". Tenham medo, tenham muito medo!!!
Não basta olhar para a cenografia, é preciso pensar, conjugar factos e relaciona-los em profundidade; a cenografia é conversa necessária e jogo de bastidores com as peças que devem vir a público.
Faz hoje, dia 5, exactamente três semanas que, no Fórum de Segurança de Aspen, EUA , William Burns, o director da CIA, disse que a tentativa de tomada de Taiwan pela China não é uma questão de "se" mas de "quando e como".
Richard Moore, director do MI6, disse a quem quis ouvir nesse mesmo Fórum que a China é a preocupação nº 1 dos serviços
secretos britânicos e acrescentou que é fundamental, para travar um conflito armado em Taiwan entre o Ocidente e a China, que as democracias liberais explicitem sem margem para dúvidas as consequências de tal acção: «É importante que o Presidente Xi, quando faz cálculos sobre o que poderá ou não fazer em relação a Taiwan, olhe para o que pode correr mal se ordenar uma invasão mal calculada. É importante que o lembremos desses riscos».
Deixemos claro que quando decorreu o Fórum de Segurança em Aspen ninguém tinha ainda falado na visita de Nancy Pelosi a Taiwan; deixemos claro que, obviamente, há três semanas essa visita estava já programada e a ser tratada de todos os pontos de vista e mais alguns.
Deixemos claro que a situação de tensão do ocidente com a China não foi, in any way, shape or form, para usar uma expressão idiomática esclarecedora, despoletada pela visita da presidente do Congresso norte-americano. Quando perguntaram ao presidente dos EUA sobre os riscos da viagem de Nancy ele driblou a resposta dizendo que os militares "não acham uma boa ideia". Reconheceu riscos, não rejeitou a situação e, não se envolvendo, não mexeu uma palha para tentar travar a viagem, que obviamente era fundamental - por mais que os media tenham tentado plantar uma intrigalhada. Deixemos claro.
Deixemos claro também que quando do sua recente viagem ao Japão Biden não se escusou a afirmar que: «Em caso de agressão chinesa os EUA estão dispostos a defender militarmente Taiwan»
Não é preciso ter acesso às informações da CIA ou do MI6 para se ter a noção de que qualquer relação empresarial - meramente comercial ou de produção - com chineses é uma relação com o governo da China, sem tirar nem pôr. A grande invasão chinesa é económica e tecnológica, os chineses não são russos... E também ainda não deixaram cair a Rússia mesmo que não a tragam ao colo...
Então e o que foi Nancy Pelosi fazer a Taiwan?
Foi afirmar o apoio dos EUA? Foi
Foi marcar uma posição de defrontação com a China? Foi
(Defrontar é antónimo de recuar, que fique claro)
Foi a bem das democracias e dos Direitos Humanos? Também foi.
Xi não lhe acha graça como não achou quando ela se manifestou contra a repressão e pelos direitos humanos na China após Tiananmen
E pronto?
Não, nem perto.
E visto de mais perto?
TSMC - Taiwan Semiconductor Manufacturing Company
A TSMC detém o domínio global do fabrico e exportação de semicondutores, simplificando, chips.
Os chips são actualmente a espinha dorsal E O CÉREBRO da sociedade; todos os computadores, todos os aparelhos electrónicos têm um, toda a inteligência artificial depende deles, ou seja, da economia, aos militares, da saúde à comunicação, etc., etc., etc., está tudo "chipado".
Se há coisa que a guerra da Rússia com a Ucrânia pôs em evidência é que uma das maiores consequências dos embargos à Rússia foi a repercussão da falta de acesso a chips na degradação do armamento; os russos estão a usar chips de máquinas de lavar roupa e loiça em material bélico de artilharia e não só.
Não quero, nem vale a pena, alargar-me sobre o assunto, há uns excelente artigo sobre Taiwan, Chips e Geopolítica para o qual deixo
AQUI o link; embora tenha sido escrito no final de 2020 é do melhor que se publicou sobre o assunto.
A TSMC é a fornecedora exclusiva para IPhone, computadores Mac e vá-se lá imaginar mais o quê... Está a construir uma fábrica no Arizona - um investimento de 12 biliões de dólares - projectada para estar a produzir em pleno em 2024. A Samsung, sul-coreana, está a criar uma "cidade-fábrica" no Texas - um investimento de 17 biliões de dólares - para estar a funcionar em 2026
Sim a Nancy visitou a TSMC em Taiwan.
Sim a Nancy foi à Coreia do Sul;
Sim a coreana Samsung usa semicondutores da TSMC .
Deixemos a Nancy em paz, ela está a fazer-nos um enorme favor (a menos que tenhamos os olhos em bico ou desejemos ter)
Ficou claro?