Fez hoje 22 anos que, pelas 2h da manhã, andava eu a passear o meu anjo da guarda, o meu inesquecível Merlin, o cão-mago; Menos de 6h depois entrava calmamente no hospital para trazer ao mundo o meu filho. Claro que sabia que a minha vida iria mudar mas confesso que não tinha bem a noção do quanto mudaria, do quanto eu mudaria... Eu, tal como me conhecia, fiquei na retaguarda, lá bem para o fundo. A mãe do Luís emergiu e tomou conta de tudo: do Luís, e da vida do Luís, e de mim, e da minha vida, da minha casa, de tudo o que sentia, e temia, e ansiava, e projectava, e fazia, e como e por quê.
Aprendi o que todos sabemos, só na teoria, antes de ter filhos: os filhos não vêm com manual de instruções, é um desafio para o resto da vida; a opção de "tentativa e erro" não é a melhor, é assustadora para quem tenha dois dedos de testa, não há espaço para esboços, tudo o que esculpimos, fazemos, dizemos, fica gravado à primeira.
Hoje, 22 anos depois, quando olho para dentro daquele jovem homem sinto que não me saí nada mal. Faria tudo igual? Nem tudo, mas quase tudo. Quando aquele menos de um metro de gente me perguntava "Mamã, o que queres que eu seja quando for grande?" Voltaria a responder-lhe, "Quero que sejas boa pessoa e o que te der na gana". Voltaria a dizer-lhe todas a vezes que disse até ter a certeza de que estava gravado: "O mais difícil de recuperar quando se perde é o carácter, quase sempre é irrecuperável".
Hoje dou graças por todas as conversas até altas horas da madrugada quando, sentados na minha cama, deixávamos fluir as palavras até o sono nos vencer mas não antes de estarmos em paz e de consciência leve.
Dou graças por toda a paciência e dedicação, que derrotavam qualquer ideia de sacrifício, que me levaram a fazer quilómetros, a inventar como preencher horas de espera, a abdicar de planos e vontades provando assim que estaria sempre lá, disponível e acessível; Dizer não basta, ser o "mais-que-tudo" não é o "quase-tudo", quase tudo não assegura quase nada. E também disse: "Tu és a pessoa mais importante da minha vida mas não és a única, há mais pessoas que temos de considerar e eu também tenho de ser levada em consideração"
Hoje, 22 anos depois, dou graças pelas aulas de xadrez, preferidas às aulas de Karaté apesar dos amigos as escolherem, que ajudaram a criar correntes de raciocínio lógico substituindo-se à desgraçada matemática.
Dou graças a tê-lo sempre à mesa "dos crescidos", presenciando as conversas, as discussões, as piadas em catadupa, as opiniões políticas, a amizade, a vida tal qual ela é.
Dou graças por todas as promessas cumpridas, mesmo por vezes a contra-gosto, que evidenciaram a importância da palavra dada.
Hoje, 22 anos depois, dou graças pela família que temos e que, dos mais presentes aos mais ausentes, têm sido uma presença afectiva que sempre transmitiu segurança e um fundamental sentido de pertença que não é substituível; o tão importante sentido de pertença não é inato, tem de ser edificado pedra a pedra, ano a ano, não se pode fingir, só quando cimentado com sinceridade e afecto é sólido
Hoje 22 anos depois, nada do que escrevo é o elogio da minha maternidade, não há semente que germine em solo ruim.
É uma declaração de amor, e respeito, que se mantém constante desde o primeiro momento, e esse foi o momento em que, conscientemente e por opção, te acolhi em mim, como parte de mim, a parte mais importante de mim, para o resto da vida. É o reconhecimento de que todas a regas e toda a dedicação foram sempre recompensadas com os mais belos e doces frutos.
Obrigada meu filho por elevares o sentido da minha vida, por me elevares a ser o melhor que sei ser
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