Ontem foi publicada uma missiva que 70 iluminados, encabeçados pelo sábio ancião que tanto sabe acerca de salvar a pátria, que me levantou uma singela dúvida: será que algum deles acredita realmente naquele rol de frugalidades distorcidas que constituem o conteúdo da dita? Talvez o sábio ancião acredite, sempre foi um tipo que acreditou no que lhe deu jeito consoante a época. Talvez um ou outro acredite, de entre os signatários há uns quantos que apresentam um tão aguçado espírito crítico e uma tal capacidade analítica que lhes permite acreditar... Em quê? Acreditar, de um modo geral, alheio ao específico e ao circunstancial, tendo por base aquilo que lhes foi impingido como "politicamente correcto" . Os outros... Os outros sabem muito bem das suas conveniências, das suas militâncias, dos seus grupelhos, das suas posições políticas de oposição sistemática não permeável a qualquer tipo de racionalidade que seja contrária aos seus interesses, por mais óbvio que seja que do poço seco não se tira água.
Esta carta contém frases indubitavelmente lapidares, verdadeiras pérolas da dialéctica político-social. Um mimo! Ou como diz o meu amigo do blog Atributos, uns pândegos.
Como já cá ando há anos suficientes para não me irritar com verborreias de malta pândega, não levo a sério o que de sério nada tem. Confesso que dei umas boas gargalhadas ao ler a tal cartinha que não me é dirigida - na forma - mas que outro destinatário não tem senão o encurralado povo português, a ver se pega o apelo à raiva, ao descontrolo, ao golpe de Estado que nos levaria directos ao buraco negro onde estivemos a cair.
Encurralado sim, mas por quem? Pela Troika? Pelo Passos Coelho? Pelo Gaspar? Não brinquem comigo sem declararem que estão a brincar; brincar a fingir que é a sério é de mau gosto, além de imaturo. Para não dizer mais.
A primeira declaração que me caiu no goto e libertou a primeira gargalhada diz assim:
«À data das últimas eleições legislativas já estava em vigor o Memorando de Entendimento com a Troika, de que foram também outorgantes os líderes dos dois Partidos que hoje fazem parte da Coligação governamental.A comunicação do governo de Sócrates sobre as (concluídas) negociações com a Troika, em Bruxelas foi a em Abril de 2011. Haviam começado em Fevereiro e Sócrates só discursou sobre o "bom Acordo" conseguido em Maio.
O País foi então inventariado à exaustão. Nenhum candidato à liderança do Governo podia invocar desconhecimento sobre a situação existente.»
Todos nós sabemos, os que se querem lembrar e os que se querem esquecer, que até José aparecer na TV ladeado pelo Teixeira (com umas trombas memoráveis), não havia crise nem derrapagem económica - foi um raio de uma coisa que aconteceu de um dia para o outro - uma certa manhã acordámos assim, falidos, sem pilim para os salários do mês seguinte (Maio 2011)
As eleições legislativas foram a 5 de Junho de 2011...
Conclua-se...
«Nenhum candidato à liderança do Governo podia invocar desconhecimento sobre a situação existente.» ??????????????
Pergunto eu, algum português corriqueiro - leia-se, não próximo do governo - podia evocar conhecimento do real estado das finanças de Portugal?
Todos sabíamos, os que sabíamos e os que diziam que não existia, que estávamos num enorme e profundo buraco, já não era possível esconder com discursos, mas alguém tinha conhecimento da real dimensão do buraco? Aahhh, memóriazinhas traiçoeiras!
Menos de um mês antes do início das negociações com o FMI Sócrates dava murros na mesa dizendo que não iria pedir ajuda externa que a derrapagem estava controlada. Não me gozem...
«Os eleitores foram intencionalmente defraudados. Nenhuma circunstância conjuntural pode justificar o embuste.»Perdoem-me mas estou baralhada, esta frase da missiva refere-se a quem? Quem é que intencionalmente defraudou os portugueses? De que embuste?
Nem gasto mais tempo ou palavras a explicar a pergunta, se alguém não percebeu não irá perceber agora.
«O Governo, num fanatismo cego que recusa a evidência, está a fazer caminhar o País para o abismo.»Lá estamos outra vez... Os 70 iluminados referem-se a quem? A que governo? Deve ser ao de José...
Quem é que se viu obrigado a ir pedir ajuda externa, apesar da sua afirmação de que nunca o faria porque seria «uma indignidade para Portugal» (!!!) e o fez a ferros, porque Portugal já não tinha forma alguma de subsistir?
Foi Passos Coelho que num ano e meio nos colocou nessa situação?
Em menos de um ano e meio Portugal voltou aos mercados reconquistando a confiança dos mercados estrangeiros, relançou as exportações, pela primeira vez começou a equilibrar a balança de importações, viu aprovadas a sequêntes tranches de empréstimo sem as ver perigar.
Custa? Custa, muito. E nem estamos a meio caminho mas, por mais que nos custe, a recuperação da economia tem de passar pela reestruturação do aparelho do Estado, ou estaremos sempre sujeitos ao ciclo vicioso em que nos encontramos há décadas.
Mexer no aparelho de Estado não é, de forma alguma uma política eleitoralista, não agrada a ninguém, nem a quem mexe nem a quem vê mexer mas é absolutamente imprescindível - apesar de ser cultivada pela oposição a impermeabilidade a esta evidência.
«O Governo, num fanatismo cego que recusa a evidência»? Ó sorte... Não é por demais evidente que temos de nos cingir a uma austeridade sem tréguas se quisermos voltar a ter um país capaz de sobreviver na Europa?
Sim camaradas, no Estado não se mexe, não dá votos nem "jobs" . Nunca se mexeu, custe o que custar, pague-se o que se pagar, o Estado é uma vaca sagrada. Esquelética e moribunda mas sagrada. Não me lixem!
«.../... sob pena de, pelo interesse nacional, ser seu dever retirar as consequências políticas que se impõem, apresentando a demissão ao Senhor Presidente da República, poupando assim o País e os Portugueses ainda a mais graves e imprevisíveis consequências.»Pelo interesse nacional? Não tenho conhecimento de que tivesse vindo a público qualquer carta destes iluminados, ou de outros, a exigir a mudança de política do Zé Sócrates ou a sua demissão... Verdade se diga, as consequências da sua política de esbanjamento, favoritismo e ocultação da realidade, essa sim, um embuste de um admirável embusteiro (justifico para os mais desmemoreádos no fim do post *1), não eram de todo imprevisíveis. Só não viu chegar a actual situação quem tapou os olhos ou era ceguinho.
Que legitimidade têm os subscritores desta carta, nas provas dadas, na sua sapiência para "exigirem" - como é dito na nossa opinativa comunicação social - a demissão de um governo eleito maioritariamente, com um orçamento aprovado na Assembleia da República, doa a quem doer. Este governo é legitimo e eleito democraticamente, como eleito e legítimo foi o governo do Zé Sócrates
Aguentem-se, como eu me aguentei; É o preço da democracia e, ao que parece, estes pândegos não querem, não querem, não querem. Já o Otelo sofre da mesma doença alérgica.
A pândega está a acabar, a massa para as Fundações, mesmo para a do pai da pátria, foi-se. É uma chatice mas talvez tenham de andar de "Renault Clio"
Este governo, por muito duro que seja, está a fazer o que há muito deveria ter sido feito. Há quem entenda isto, há quem não entenda e há quem, entendendo ou não, se esteja nas tintas, quer é que o governo caia, que reine a esquerda festiva mesmo que o povo não vote nela, que volte um estilo de vida que não é comportável mas é muito mais confortável. Eu não estou aí, tenho um filho e quero que ele tenha um país.
«Exmo. Senhor Primeiro-Ministro,Queridos Signatários,
Os signatários estão muito preocupados com as consequências da política seguida pelo Governo.»
Chegam muito atrasados...
Quanto à esperança, a que vocês dizem não ter é a que a mim me resta.
O embuste: *1
.
.