Teria sido possível transformar este encontro numa reunião positiva? Teria, dependeria apenas da atitude de Trump. Não estou a aproveitar (mais) uma oportunidade para esfregar a nódoa, estou a falar de factos. Não seria difícil para um presidente dos EUA que respeitasse as prioridades correctas e espectáveis. Um simples «Ouve lá, ó Vladimir, tu começaste esta guerra, tens de a acabar e a maneira de a acabar é chegares a um acordo com a Ucrânia, um que a Ucrânia possa aceitar, que os europeus possam aceitar; ou passarás pela vergonha injustificável de perderes mais uma guerra»
Ou seja, Trump teria de estar disposto a usar as vantagens de que os EUA dispõem em todas as vertentes de poder - Económico (apoio e sanções como adjuvante e nunca como fundamento), militar (o fundamental armamento, Inteligência satélites, ciber-tecnologia) e político (numa manifestação de vontade inalterável) - reiterar a sua recente afirmação de que haverão "consequências severas" se Putin não considerar pôr termo à guerra. Isto dito, e feito, conjuntamente com todos os apoios dos Estados da NATO e além da Aliança, obliteraria drasticamente a capacidade da Rússia para continuar esta guerra, com China ou sem China, porque Xi não joga para perder.
A exigência de um cessar-fogo feita por Trump foi prontamente dissolvida na calorosa recepção do Alasca. É admissível que tenha sido uma questão de bom-senso. Se tivesse sido estabelecido mais um frágil cessar-fogo que fosse (seria) quebrado por Putin, o ego de Trump seria ,uma vez mais, ferido pela demonstração de credibilidade e inacção perante o facto. Até Trump sabe isso, aprendeu à sua custa. Saiu desta reunião dizendo "deixem lá o cessar-fogo, temos perspectivas maiores". Sim, mas quais e quando? É que neste aspecto Trump e Putin estão de acordo e isso não tem sido um bom sinal. Tudo foi vago, secreto, diria que inconfesso. Um Putin sorridente e bem disposto, um Trump exausto, esquivo, enrascado
Seja qual for a proposta que Putin deixou com Trump, a sua obstinação na reivindicação do território de Donetsk é certinha, apesar de só ter o controlo de 1/3 desse território. Rste é um absoluto obstáculo a qualquer acordo de paz, ainda que outros, significativos, não existissem. Trump não achará nada mal, bem pelo contrário, dá para a troca de exploração de minério no Alasca, saiem ambos a ganhar e a Ucrânia que se lixe.
Mas...
Estivesse Trump disposto a opor-se neste tabuleiro com todas as vantagens que tem, Putin poderia então ser forçado a conversações de paz sérias
A única nota positiva deste encontro, e significativa SE mantida, é a evocação de Garantias de Segurança para a Ucrânia; e o facto de Putin as ter referido na sua intervenção não pode ter outro significado senão uma fingida concordância para ocultar a incapacidade de impedir algo que é imposto, algo que é imposto pela NATO , a Trump para impor a Putin
Os EUA terão de escorar a presença de tropas europeias na Ucrânia, uma decisão incontornável alicerçada por vários "incentivos", alguns económicos, alguns de apaziguamento mas não só...
Não é com vinagre que se apanham moscas, na ponta deste incentivo está a possibilidade do troféu mais desejado, um Nobel da Paz. Sim, é uma merda mas é disso que as moscas gostam (desculpem o meu latim mal declinado)
Do outro lado está a recordação de uma "ridícula" derrota da Rússia no Afeganistão; mais vale um acordo "voluntário" do que uma derrota, pior, uma derrota face à Ucrânia, essa terra de ninguém
A "outra" atitude que Trump pode tomar é a promover uma proposta de acordo inaceitável na qual o país invasor sai a ganhar e motivado para manter as suas políticas de agressão. Esse tipo de motivação já deu devastadoras provas históricas, é um erro a não repetir.
Sobre atitudes nesta cimeira o bom senso esteve de férias.Não era preciso Trump ter esperado por Putin, o criminoso de guerra, um raptor de crianças, sobre o o tapete vermelho, não era preciso ser tão efusivo no reencontro, não era preciso um palanque ladeado por caças e uma passagem de quatro F-35 escoltando um Stealth B-2, não era preciso dar-lhe "boleia" no carro presidencial. Um exibicionismo de vaidades que não mostrou nada de novo. Esta photo-op foi uma deliciosa prenda suplementar oferecida a Putin para ser divulgada com sarcasmo na comunicação social russa, à fartazana. Também não era preciso ter sido Putin o primeiro a falar na hora dos discursos como se fosse o anfitrião, referindo a Ucrânia apenas de passagem e aproveitando para dizer aos líders europeus para não "torpediarem a proposta", mas ele deve ter pedido com jeitinho. Preciso seria terem feito a anunciada conferência de imprensa... Nem o previsto almoço teve lugar, estavam ambos mortinhos por se verem dali para fora, sem jornalistas, sem perguntas, sem explicações, sem esclarecimentos
Em nota de rodapé:
Lavrov shirt - CCCP/USSR |
Folgo em constatar que Lavrov afinal tem sentido de humor, de humor negro mas eficaz, a mensagem é clara - "Somos um império, temporariamente diminuído mas em progresso"
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