Já tenho dito por aqui o suficiente, mais do que o suficiente, para deixar claro que não sou fan do Pedro Passos Coelho, não é rapaz com quem vá ao futebol. Pode ser que seja muito bom rapaz, trabalhador e amigo da mãe. Talvez. Tenho-o por um idiota convencido da sua esperteza (disse idiota, não parvo) desta geração política que soube esperar que os fundadores partidários se retirassem de cena para fazerem a sua entrada, apoiados por outros ex-políticos que navegam nas águas profundas das negociatas rentáveis e que não têm tempo, nem amor à camisola, para se dedicarem à gestão da pátria mas que, sabiamente, pretendem nos lugares cimeiros rapaziada que lhes seja de feição.
O Pedro é assim, o José era assim antes de roer a corda. (Claro, este não é um problema partidário, é um problema de "lobbies", de corredores palacianos, e uma questão geracional)
O Pedro chegou lá porque alguns confiam nele, se servem dele e ele gosta, porque quis provar o sangue da Tia Manela F.L. que os seus patronos queriam ver correr - aquela gaja não dava jeito nenhum, tem a mania de que é séria... E foi fácil, tal como o Aníbal, não percebe nada de marketing político; mas o Aníbal teve, a seu tempo, outra equipe, outro país e, apesar de tudo, era mais bem mandado, não sabia mas queria saber; a Tia Manela está-se nas tintas; o Pedro julga que nasceu para o teatro.
Posto isto como posicionamento perante a tal figura, hoje vim aqui deixar o último artigo do António José Saraiva, não só pela visão retrospectiva que faz mas, sobretudo, pelo aperitivo que nos serve para aguçar os apetites de uma próxima época eleitoral; Lê-se bem, não é chato nem excessivo e é claro como água destilada. Pedro Pum, José soma e segue com grande lata.
"A entourage de José Sócrates é hoje constituída por alguns indivíduos que fazem o que for preciso para atingir os fins estabelecidos
«Se ele for para o Governo acaba com o Serviço Nacional de Saúde».
«O objectivo dele é facilitar os despedimentos».
«Se fosse ele a mandar, o Ensino deixava de ser gratuito».
«Vejam o que se passa com as SCUT: ele quer que sejam todas pagas».
«Caso ele chegasse a primeiro-ministro os salários iam baixar».
Com estas e outras frases do género, José Sócrates e a sua entourage foram minando a imagem de Passos Coelho nos últimos meses.
E a campanha teve resultados: o presidente do PSD, que chegou a liderar as sondagens, foi perdendo progressivamente terreno e hoje já está atrás do PS.
Passos Coelho revelou grande ingenuidade.
Não percebeu com que tipo de gente tinha de lidar quando se relacionava com o Governo.
A entourage de José Sócrates é hoje constituída por alguns indivíduos que fazem o que for preciso para atingir os fins estabelecidos.
Para essas pessoas, a acção política não tem freios: o objectivo é liquidar quem se oponha ao PS e ao Governo, seja por que meios for.
E a táctica usada é sempre a mesma: o gabinete do primeiro-ministro pega nas afirmações e nas propostas dos adversários, vira-as do avesso, ridiculariza-as - e atira-as à cara de quem as fez.
Assim aconteceu com a proposta de revisão constitucional do PSD, agora apresentada.
Quando se começou a falar dela, o staff de Sócrates chamou-lhe um figo.
Escolheu os pontos que lhe interessavam, estudou o modo de os apresentar ao povo de forma terrível - e a partir daí nem quis falar de mais nada.
Uma proposta que Passos pensava que ia servir-lhe para liderar a agenda e estar na ofensiva acabou por virar-se completamente contra ele e obrigá-lo a pôr-se à defesa.
Num ápice e sem contemplações, os homens de Sócrates transformaram Passos Coelho no mau da fita, que quer acabar com o Estado Social e com as conquistas dos trabalhadores.
A acusação tem requintes de malvadez, porque Sócrates sabe que muitas das propostas que Passos Coelho faz são inevitáveis.
Todo o Governo já percebeu que o Estado Social que temos é insustentável.
Não é possível, por exemplo, manter os actuais gastos com a Saúde.
Os enormes encargos com o Estado Social estão a asfixiar as empresas, mobilizando capitais que deveriam ser investidos de forma reprodutiva - e a consequência disso será o definhamento progressivo da economia.
E o definhamento da economia fará com que a percentagem do Estado Social no produto interno vá sempre aumentando, obrigando a aumentos consecutivos de impostos e ao crescimento da dívida externa.
Trata-se de uma espiral infernal que é preciso interromper.
Sócrates sabe isto muito bem.
Mas agora o importante é atacar Passos Coelho.
Uma vez arrumado mais este adversário, logo se verá.
E este tipo de comportamento por parte do staff de Sócrates é popular, porque o país ainda não está preparado para um discurso de verdade.
Se o próprio primeiro-ministro diz que está tudo no bom caminho, por que razão hei-de acreditar num senhor que me vem dizer que o país está muito mal e é preciso mudar de rota? - é o que muita gente pensa com os seus botões.
Por que hei-de apostar num senhor que nos mete medo com as desgraças do país e não naquele que promete levar-nos ao paraíso? .
O staff do primeiro-ministro conseguiu habilidosamente levar a cabo uma espécie de troca de papéis entre Sócrates e Passos.
Assim, Sócrates, o chefe do Governo, de quem se esperaria uma atitude realista, aparece a prometer mundos e fundos - e Passos, que era suposto estar a semear ilusões, é apresentado como o papão que quer sacrifícios para o povo.
Quando se aproximava o fim do cavaquismo, António Guterres disse-me várias vezes a seguinte frase: «A partir de agora basta-me fazer de morto».
Queria ele dizer na sua que não precisaria de fazer nada para ganhar as eleições seguintes: bastava-lhe existir.
Ora Passos Coelho, se queria ganhar as próximas eleições, devia ter feito o mesmo.
Quando se apanhou à frente nas sondagens, devia ter feito de morto.
Devia ter começado a produzir declarações anódinas, mostrando sempre boa vontade para colaborar com o Governo e o ajudar a resolver os problemas do país - mas espalhando subtilmente a ideia de que esta não era a sua política, sendo possível fazer muito melhor.
Mas Passos não percebeu com quem estava a lidar, caindo na esparrela de começar a falar demais - e expondo-se totalmente às setas envenenadas dos socialistas.
Se o PSD quer ter ainda alguma esperança de ser Governo num horizonte razoável, o melhor é estar quietinho - e esperar que a realidade faça o seu trabalho.
Só a realidade pode vencer um poder que se especializou no golpe baixo, que não olha a meios para alcançar os fins e que há muito substituiu a estratégia política pelo tacticismo imediatista e pelo marketing.
Só a realidade pode vencer a clique que se instalou no poder à volta do primeiro-ministro."
jas@sol.pt - 16 Set. 10
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