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ETHOS DE GUERRA



 Sem limites, sem prudência, sem legalidade, sem decoro, sem integridade.


Há dias que o Capitólio sob pressão para fornecer uma justificação legal para o ataque, e assassinato sem precedentes, de 11 alegados traficantes de droga pelo exército dos EUA. De onde veio a informação? Como identificaram o pequeno barco? Qual a razão por que foi usada força letal contra civis?  Trump  contornado os legisladores e fornecido uma salada de justificações perante as câmaras sem responder às  sérias questões sobre a legalidade do ataque, segundo especialistas jurídicos e membros do Congresso.

Na sexta-feira o Departamento de Defesa - nesse dia renomeado "Departamento de Guerra" pelo presidente, embora só o Congresso tenha o poder de o fazer -  cancelou abruptamente os briefings confidenciais que deveria fornecer a vários comités do Congresso e do Senado. Parlamentares e funcionários esperavam colocar questões às autoridades sobre a justificação legal para o ataque e obter detalhes básicos como qual a unidade militar que conduziu o ataque, que tipo de munições foram utilizadas, o tipo de recolha de informações que levou à determinação das identidades e intenções das pessoas a bordo.

Os responsáveis ​​governamentais têm argumentado que as 11 pessoas na lancha que os EUA fizeram explodir em águas internacionais nas Caraíbas eram alvos militares legítimos, eram membros de um gangue criminoso venezuelano, o Tren de Aragua, que Stephen Miller classificou como uma organização terrorista. 

Miller é vice-chefe de gabinete na Casa Branca e conselheiro dilecto de Trump; não foi eleito, não tem responsabilidades atribuídas, não tem legitimidade alguma para classificar seja que organização for como terrorista - classificação que aliás obedece a parâmetros claramente estabelecidos na lei internacional

«Nicolás Maduro é um traficante de droga indiciado portanto, é um cartel de droga que governa a Venezuela. Este é um ponto muito importante. Não é um governo, é um cartel de droga. Durante gerações, utilizámos as nossas forças armadas em ações contra terroristas no Médio Oriente e em África, deixando ilesos os terroristas no nosso hemisfério, responsáveis por muito mais mortes de americanos.»

Miller é provavelmente a mais tenebrosa figura à beira de Trump, batendo mesmo aos pontos o desabrigado Steve Bannon, mas não é estúpido, sabe perfeitamente que, em termos legais, é necessário -ou, nesta altura do campeonato, apenas de "bom tom" - justificar o arbitrário ataque a uma lancha civil. A designação de "grupo terrorista" é uma tentativa esperta, mas insuficiente

Em 2001, o Congresso deliberou explicitamente que os EUA estavam em guerra com a Al-Qaeda, classificando-a oficialmente como combatentes que os EUA têm permissão legal para matar, tanto pela legislação nacional como internacional. Tal não ocorreu com o Tren de Aragua. A designação do grupo como organização terrorista estrangeira pela legislação americana confere ao presidente a autoridade para impor sanções financeiras e legais, mas não autoriza o uso de força letal.Em 2001, o Congresso deliberou explicitamente que os EUA estavam em guerra com a Al-Qaeda, classificando-a oficialmente como combatentes que os EUA têm permissão legal para matar, tanto pela legislação nacional como internacional. Tal não ocorreu com o Tren de Aragua. A designação do grupo como organização terrorista estrangeira pela legislação americana confere ao presidente a autoridade para impor sanções financeiras e legais, mas não autoriza o uso de força letal.
O presidente tem a autoridade, ao abrigo do artigo II da Constituição, de usar a força militar quando é do interesse nacional e quando não constitua "guerra" no sentido constitucional, o que exige uma autorização do Congresso. Governos anteriores interpretaram estes padrões de forma bastante ampla especialmente na guerra contra a Al-Qaeda, o ISIS e outros grupos terroristas islâmicos; MAS eram reconhecidamente "Grupos Terroristas" reconhecidos internacionalmente com provas dadas e largamente divulgadas. 
A equipe de Trump alegou que, neste caso, o presidente estava a exercer os poderes inerentes ao artigo II. 
Está bem... ao abrigo de que provas e informações? E por que não comunica esses dados ao Congresso, bem pelo contrário, cancela os briefings confidenciais?

 Este poder exige que o presidente estabeleça que os seus alvos são alvos militares legítimos, que devem ser tratados como combatentes, tanto pelo direito internacional como pelo nacional. Membros dos cartéis e traficantes de droga têm sido tradicionalmente tratados como criminosos nos devidos processos legais, não como combatentes inimigos

A polémica foi tanta em torno da legalidade, e consequências, deste ataque letal que, na sexta-feira, Trump enviou uma carta ao speaker do Congresso e ao presidente pro-tempore do Senado, notificando formalmente o Congresso sobre o ataque, mas não ofereceu detalhes nem  listou Tren de Aragua nominalmente como alvo, apenas fez a vaga alegação da sua autoridade ao abrigo do Artigo II.

Brian Finucane, ex-advogado do Departamento de Estado especializado em questões de "poderes no âmbito de guerra", destacou a admissão de Rubio, secretário (ministro) do Departamento de Estado, de que o barco poderia ter sido interceptado em vez de destruído — como sempre foi feito no passado — mas  o presidente ordenou um ataque letal como primeira opção, não como última.

 Um antigo advogado do Pentágono que deixou o Governo nos últimos meses, disse: «Qualquer argumento remotamente plausível a favor da autoridade inerente do comandante-chefe para tomar medidas militares exigiria a demonstração de que não há alternativa à força letal. Para reivindicar uma ação defensiva tem de se estabelecer que foi necessária e proporcional. Há uma palavra para o assassinato premeditado de pessoas fora do contexto de um conflito armado...»

O professor Michael Becker, do Trinity College Dublin, disse à "BBC Verify" que as acções norte-americanas "expandem o significado do termo (organização terrorista) para além do seu limite".

«O facto de as autoridades norte-americanas descreverem os indivíduos mortos pelo ataque como narco-terroristas não os transforma em alvos militares legítimos. Os EUA não estão envolvidos num conflito armado com a Venezuela ou com a organização criminosa Tren de Aragua. O ataque não só parece ter violado a proibição do uso da força, como viola o direito à vida, previsto no direito internacional dos direitos humanos.»

O professor Moffett afirmou que o uso da força neste caso pode ser equiparado a uma "morte arbitrária extrajudicial" e "uma violação fundamental dos direitos humanos". 
«Rotular todos como terroristas não os torna alvos legítimos e permite aos Estados contornar o direito internacional». In BBC News

O direito internacional proíbe o assassinato deliberado de civis, mesmo no contexto de um conflito armado. O direito interno, por sua vez, proíbe assassinatos unilaterais e premeditados de alvos não militares. 

Ainda na sexta-feira, no Salão Oval, Trump foi questionado sobre o que aconteceria se os jactos venezuelanos voltassem a sobrevoar embarcações norte-americanas.
Trump olhou para o general ao seu lado e disse-lhe: «Podem fazer o que quiserem, se a situação se agravar façam o que quiserem» 

Assim falou o presidente dos Estados Unidos, o Comandante em Chefe das Forças Armadas - «Façam o que quiserem». 

Isto é suposto ser tido como "normal"?

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Não me passa pela cabeça defender Maduro, por todas as razões que assistem quem é, o que faz e quem apoia e mais a primeira: Maduro falsificou os resultados eleitorais e usurpou a presidência.( Trump deverá ter uma profunda compreensão sobre os motivos que levam alguém a cair tão baixo para se elevar acima do que é e representa).
A questão não é Maduro, nem os carteis de droga nem nada do que possa ser evocado por Trump e sus muchaxos.

A questão é primeiro prática e depois futura; 
Na prática, Trump precisa de uma distração, popular e mediática, uma que resulte perante o Capitólio e os diversos governos federados. Uma que afaste da ordem do dia as contestações, exigências e ilegalidades que vem praticando descaradamente, diariamente. As tropas nas ruas, as ameaças aos governadores e juízes, o desrespeito pelas normas e avisos do Banco Federal e, por último mas não em último, a exigência, popular e do Congresso, de publicação da totalidade dos dossiers Epstein... Aquilo que será, sobre todas as coisas gravíssimas e inconfessáveis que tem feito, a "morte do artista" .

Mais. Num futuro que se vai aproximando mês a mês, Trump precisa da iminência de um estado de guerra, uma que possa ser activada ao primeiro sinal de necessidade, qualquer uma lhe serve desde que não esteja em conflito com os seus interesses pessoais; a Venezuela dá jeito: está perto, é  militarmente frágil, a Rússia não está em condições de ajudar,os europeus têm mais com que se preocupar e o petróleo saía-lhe mais barato. 
Também está a preparar com afinco a declaração de Lei Marcial mas pode não ser suficiente, encontra-se muito regulamentada, demasiado para o seu gosto. Uma guerra à beira de uma ordem pelo telefone, sem complicações nem justificações a intrometer-se, é a salvaguarda perante umas eleições que não pode perder. 
Novembro de 2026 não está assim tão longe e as perspectivas não são as melhores nem tendem a melhorar, a crise económica anuncia-se, faltam trabalhadores na base da cadeia alimentar, a contestação nas ruas e nos tribunais sobe de tom, o Capitólio, pela primeira vez, mostra-se incerto, a MAGA já não é o que foi e quer os dossiers Epstein.

Voltando por um momento à alteração do "Departamento de Defesa" para Departamento de Guerra": 
A mudança de nome para Defesa em 1949, 4 anos após o fim da II Guerra Mundial,  não foi um exercício de branding, foi um acto simbólico para o mundo de que os Estados Unidos defendiam a paz pela força, não a agressão. 

As palavras, que se pretendem aterradoras e o são pelo menos na intencionalidade,  ditas pelo ex-apresentador de fim de semana na FoxNews,  Pete Hegseth, agora Secretário de Guerra: 

«Esta mudança de nome não se trata apenas de renomear, trata-se de restaurar. As palavras importam. É restaurar, como nos orientou, Sr Presidente, restaurar o ethos do guerreiro, restaurar a vitória, a clareza como estado final. Restaurar a intencionalidade no uso da força. Sob a sua orientação, Sr. Presidente, o Departamento de Guerra vai lutar decisivamente, não em conflitos intermináveis, vai lutar para vencer, não para não perder. Vamos partir para o ataque, e não apenas para a defesa. Máxima letalidade, e não a legalidade morna»

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Sem limites, sem prudência, sem legalidade, sem decoro, sem integridade.

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