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ABRAM-SE AS PORTAS

 Verdade seja dita, passam-se meses que não vejo um noticiário nacional. Leio artigos, vejo sites, procuro fontes, mas sou eu que escolho o que me interessa; mais de 90% do que é impingido nos noticiários não me interessa: acontecimentos quase sempre inconsequentes, episódios circunstanciais, assuntos importantes, ou mesmo fundamentais são tratados "pela rama", muitas vezes seguidos por debates mais opinativos do que informativos, muito menos correlacionais.  O mais triste é que há bons jornalistas portugueses, alguns mesmo muito bons mas presumo que "não rendam" ocupando o ecrã.  Em auto-defesa resta-me mudar de canal para um que não tenha comentadores iluminados, onde sejam apresentados factos, vários, onde se procure um sentido na sucessão dos acontecimentos que ajude as pessoas a relacionar  A com B e AB com C

Há menos de uma semana, a 23 último, neste nosso mundo crescentemente radicalizado e dividido, o Rei de Inglaterra visitou o Papa no Vaticano. Não sei, não vi, mas admito que os noticiários nacionais tenham referido o assunto e mostrado imagens. E é exactamente disto que me queixo. O Rei Carlos III visitou o Papa Leão XIV no Vaticano... Provavelmente terá sido referido que este encontro ocorreu 500 anos após o cisma que separou a Igreja Anglicana da Igreja Católica.  É o que fica.
E então? E daí? Isto é importante?
Daí, a parte importante fica por dizer. O rei de Inglaterra visitou o papa no Vaticano não é algo importante. É significativo, é amável mas não é importante. Mais. Este encontro ocorreu 500 anos após o cisma que separou a Igreja Anglicana da Igreja Católica, é verdade mas deixa no ar uma meia-verdade. Dito assim poderá levar a pensar que Carlos III foi o primeiro monarca britânico a visitar o Papa no Vaticano na decorrência destes 500 anos.
 - Eduardo VII fez uma visita privada ao Papa Leão XIII, lançando uma importante pedra de reconciliação.
 - George V e a Rainha Mary fizeram uma visita oficial ao papa Pio XI em 1923; Dez anos depois Pio XI escreveu, em alemão, uma severa carta a Hitler reduzindo-o à sua condição de mero mortal:
«Aquele que, com sacrílego desconhecimento das diferenças essenciais entre Deus e a criatura, entre o Homem-Deus e o simples homem, ousar colocar-se ao nível de Cristo, ou pior ainda, acima d’Ele ou contra Ele, um simples mortal, ainda que fosse o maior de todos os tempos, saiba que é um profeta de fantasias a quem se aplica espantosamente a palavra da Escritura: "Aquele que mora nos céus zomba deles."»

 - Elizabeth II fez três visitas ao Vaticano. Em 2000 fez uma visita oficial ao Papa João Paulo II, que 8 anos antes havia recebido em Buckingham; fez outras duas visitas privadas, a primeira em 1961 ao Papa João XIII,  ainda durante o reinado do seu pai George VI.
O Papa Benedito XVI visitou a rainha no Palácio de Holyroodhouse, sua residência oficial na Escócia em 2010 durante uma visita de Estado.  
A segunda visita privada da Rainha foi ao Papa Francisco em 2014. Durante essa visita, marcada por uma informalidade e descontração nada usuais, a Rainha, vestida de um luminoso lilás, presenteou o Papa com uma garrafa de whisky de Balmoral e uma cesta com produtos alimentares produzidos nas suas propriedades de Windsor e Sandringham, mel "do nosso jardim" em Buckingham. 
O Papa Francisco, num gesto de simbologia muito clara, entregou à rainha um presente para o seu bisneto primogénito, o bebé príncipe George: Uma esfera em lápiz-lazuli encabeçada pela cruz de St. Edward, o rei inglês do séc.XI que foi santificado pela Igreja Católica

Voltando umas linhas atrás, o Rei de Inglaterra visitou o Papa no Vaticano não é algo importante, nem novo. O que é importante e marcadamente diferente é que Carlos III fez aquilo que a Rainha Elizabeth não pode fazer, por razões várias - do segundo casamento cívil de Charles, herdeiro da coroa, aos acordos com a Irlanda, que visitou numa admirável missão de paz atravessando, literalmente, a rua passando de uma Igreja para a Outra; missão que não quis comprometer temendo que os católicos irlandeses vissem a sua aproximação ao Vaticano como uma interesseira manobra política. 

O que é importante é que o líder da Igreja Anglicana visitou o líder da Igreja Católica e ambos estiveram numa mesma missa celebrada pelo bispo de Roma, o Papa, e o Arcebispo de York. 
Significativo é a permanência do líder da Igreja Anglicana simbolizada na cadeira decorada com o brasão do Rei Charles III,  criada para permanecer na Basílica  de São Paulo Fora-de-Muros. Charles, da Igreja Anglicana, parte mas a sua presença permanece. 

Este acontecimento não é uma visita, é a abertura da porta da união de várias Igrejas, primeiro as cristãs e depois... E depois se verá

Depois?

O Papa Leão XIV  fará a sua primeira viagem papal entre 27 de Novembro e 2 de Dezembro. Teria tido muito tempo para marcar qualquer outra para antes se assim o desejasse. Não o fez, a intenção é clara, o caminho que traça para si mesmo torna-se evidente.
Pode ler-se num comunicado do Vaticano: «Comemorando o 1.700º aniversário do Concílio de Niceia e do seu Credo, bem como reafirmando as esperanças de paz no Médio Oriente, o Papa Leão XIV viajará para a Turquia e para o Líbano»
A viagem a Iznik, na Turquia, local da antiga Niceia, foi inicialmente planeada para o Papa Francisco. O Papa Leão anunciou a sua intenção de celebrar o aniversário do Concílio Ecumênico de Niceia com o Patriarca Ecuménico Ortodoxo Bartolomeu de Constantinopla com quem realizará uma peregrinação conjunta. Presentes também os Patriarcas ortodoxos gregos Teófilo III de Jerusalém, Teodoro II de Alexandria e João X de Antioquia e ainda o Bispo maronita Mounir Khairallah de Batrun, Líbano

Não será por acaso que o comunicado do Vaticano expressa  "reafirmando as esperanças de paz no Médio Oriente", poderia expressar apenas uma referência às Igrejas Ortodoxas. Ali não há "acasos", Leão XIV quer ir mais além neste mundo a que ele chama "fracturado"

2025 é um ano de Jubileu Católico, "O Jubileu da Esperança", iniciou-se na véspera de Natal de 2024 com a abertura da Porta Santa da Basílica de São Pedro pelo Papa Francisco. Outras portas de outras basílicas, que habitualmente permanecem fechadas, seguiram essa abertura: São João de Latrão, Santa Maria Maior, São Paulo Fora-de-Muros. 
Outras há espalhadas pelo mundo "fracturado"





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