Preâmbulo
Em 1994 foi assinado um memorando em Budapest no qual a Ucrânia abdicou de milhares de armas nucleares, que haviam permanecido no seu território após a desagregação da União Soviética. O "Memorando de Budapeste" estabelecia garantias de que a Rússia respeitaria a integridade territorial da Ucrânia.
Em 2014, Putin violou este acordo ao invadir e anexar a Crimeia e dar início à ofensiva militar na região de Donbass, que persiste e foi agravada após a invasão na tentativa de derrubar Kyiv em 2022.
Há cerca de uma semana Putin disse que a "boa-vontade" conseguida há dois meses, durante a cimeira com Trump no Alaska, se havia "esgotado", uma boa-vontade muito volátil (mas não rejeitou os negócios então combinados)
Trump retorquiu com insatisfação e ameaças. «Estou a considerar dar (vender) mísseis tomahawk à Ucrânia». Pois...
Depois pensou melhor...
Na véspera de receber Zelensky na Casa Branca esteve duas horas e meia ao telefone com Putin. O czar diabólico é um manipulador treinado, um encantador de serpentes, 2h30 de acesso à atenção de Trump é uma eternidade. Exigiu as terras ocupadas e "isso dos tomahawk" iria afectar drasticamente as boas relações entre a Rússia e os EUA... Espantoso!
Ele sabe que "isso dos tomahawk" lhe acabaria com o que lhe resta de rendimentos petrolíferos;
Trump resolveu então propor a Putin uma nova cimeira... em Budapeste.
Boa escolha! Já ficou demonstrado que o que por lá se assina não tem importância. Duvido de que Putin tenha conseguido reprimir a gargalhada.
O amigo Orban - de Trump e de Putin - garante uma estadia agradável a ambos, sobretudo a Putin: a Hungria é signatária do Estatuto de Roma e, até Abril de 2026, ainda está legalmente vinculada ao cumprimento das sentenças do Tribunal Penal Internacional, o qual detém sobre Putin um mandado de captura por crimes de guerra cometidos contra a Ucrânia.
«A Hungria – como a ilha de paz – está pronta para acolher a cimeira. Vamos garantir todas as condições para que os presidentes possam realizar negociações bem-sucedidas entre si, para que a paz possa regressar à Europa». Péter SzijjártóMinistro dos Negócios Estrangeiros da Hungria
Orban tem a obrigação legal de cumprir a ordem do TPI detendo Putin. Obrigação legal? Orban? Isso é para os comuns mortais. L'état c'est moi! (et moi, et moi). Em Abril passado Orban recebeu Netannyahu e também tinha obrigação de o prender; em vez de prestar um serviço à humanidade recebeu-o de braços abertos, mostrou-lhe as vistas maravilhosas de Budapeste, foi a simpatia personificada. Quando o criminoso de guerra voltou para Israel, Orban anunciou que iria deixar o TPI, uns néscios que estão sempre a incriminar-lhe os amigos
De uma cajadada matam-se dois, não, três coelhos: por um lado "honra-se" o grotesco Memorando de Budapeste elaborando um outro tão credível quanto o primeiro; por outro, despreza-se o mandado de captura do TPI a Putin; por último, tem de se pôr a questão das sanções da União Europeia à Rússia e a Putin.
Os Estados-membros da UE sancionaram centenas de altos funcionários russos responsáveis pelo planeamento e supervisão da invasão da Ucrânia e pelo rapto das crianças ucranianas. Estas sanções englobam a proibição de viajar para o bloco europeu, o congelamento de bens pessoais e o fecho do espaço aéreo a aviões russos; esta limitação aplica-se a "aeronaves operadas por transportadoras aéreas russas, registadas na Rússia, pertencentes ou fretadas por qualquer pessoa ou entidade russa, bem como a voos não regulares que possam transportar cidadãos russos para reuniões de negócios ou destinos de férias na UE." Putin e Lavrov não estão abrangidos pela proibição de viajar a fim de que lhes seja permitido "manter um mínimo de contactos diplomáticos". Putin e Lavrov poderão, em missão diplomática, deslocar-se à Hungria desde que não viagem num avião russo ou fretado por qualquer russo ou pelo Estado russo. ("Era o que faltava", gargalha Putin.) Depois põe-se a questão da imunidade diplomática. Não cabe ao Estado anfitrião determinar, por si próprio, o estatuto de imunidade, tem de consultar o TPI, que determina se a imunidade se aplica ou não especificando os motivos. ( "Era o que faltava", gargalha Orban. "Era o que faltava", rosna Trump, foi Moi quem decidiu.) A União Europeia não se pronuncia, aguarda...
Perante tudo isto, uma jornalista do HuffPost perguntou, por escrito, a Karoline Leavitt, a secretária de imprensa da Casa Branca: "Quem escolheu Budapeste? Leavitt, respondeu após poucos minutos: "A tua mãe escolheu".(Your mom did); dois minutos depois foi enviada nova resposta, desta vez do director de comunicações da Casa Branca, Steven Cheung "A tua mãe" (Your mom).
É assim a Casa Branca dos nossos dias, a sede administrativa dos Estados Unidos: Ninguém tem de prestar contas, informações, explicações, um reinozinho impune, arrogante, imoral. L'état c'est moi!
Então e os tomahawk para a Ucrânia?
Depois de uma extensa reunião entre representantes americanos e ucranianos, encabeçada pelos respectivos presidentes, descrita como "desconfortável" por uma fonte americana, Trump mostrou-se muito preocupado com a segurança da Ucrânia... «Não, tomahawks não, são armas muito perigosas, perigosíssimas. Espero que não precisem deles, espero que consigamos terminar a guerra sem pensar nos tomahawks, creio que estamos muito próximos disso, além de que os Estados Unidos precisam deles.»
Uma vez mais o tempo urge... As listas de candidatos aos Nobel são recebidas em Janeiro para apreciação e redução durante o ano até Outubro. Em Janeiro de 25 Trump só teve 10 dias de presidência, ainda não tinha "acabado 7 guerras". Trump vai chegar a Budapeste com fogo no rabo, vai fazer o impossível para obter um cessar-fogo, um acordo, o raio-que-o parta. Vai encostar Zelensky à parede de todas as formas que conseguir, vai pressiona-lo a entregar a Putin o território ucraniano ocupado com um "Isto tem de acabar, coitadinhas das pessoas que estão a morrer aos milhões".
Putin está neste momento mais fragilizado do que alguma vez esteve, com chineses ou sem chineses, com BRICS ou sem BRICS:
- Um facto inegável da vida é que quando não há dinheiro não há palhaços; no caso presente da Rússia, sancionada até à raiz da economia, se não houver petróleo não há exportações que sustentem a economia interna e, consequentemente, a guerra. A China quer petróleo, também quer tecnologia e manter a NATO ocupada mas, pelos anos mais próximos, precisa do petróleo para aproveitar a tecnologia e a mobilização da NATO na defesa da Ucrânia, sem isso irá fazer negócios para outras paragens. Tem um projecto espacial que não quer, de forma alguma, deixar cair; pelo sim pelo não já colocou uma rede de espionagem activa a esmiuçar a tecnologia bélica e industrial na Rússia. E, se eu sei, Putin também sabe. Putin sabe que não pode confiar em Xi. Xi sabe que não pode confiar em Putin.
- Desde o início de Outubro que Putin tenta um novo recrutamento militar, aumentou substancialmente os pagamentos regulares e bónus mas o número de novos recrutas a receber bónus no segundo trimestre de 2025 foi o mais baixo em dois anos; voltou a recorrer ao recrutamento de prisioneiros criminais, a abrir o bolso para mercenários; Até agora, o Kremlin tem procurado gerar recrutas através de incentivos financeiros crescentes e bónus de inscrição porque quer evitar a mobilização compulsiva em massa após a desafiante convocação involuntária para a reserva no final de 2022. Em Julho passado começou a considerar recorrer a reservistas, o que necessitará de uma alteração legal (em curso) pois de outra forma teria de submeter o projecto à Assembleia Federal, medida que parece contrariar Putin profundamente. Face à decrescente mobilização voluntária e à situação económica agravada, o Kremlin poderá ver-se forçado a adoptar a mobilização obrigatória contínua de reservistas, até para sustentar a força de trabalho face à elevada taxa de baixas na Ucrânia. De uma outra perspectiva, a dos reservistas que já estiveram em combate na Ucrânia, não será por certo grande a vontade de para lá voltar
- Perdeu cerca de 1milhão de homens, para mais, não para menos, os milhares de norte-coreanos que foram enviados para a Rússia não surtiram efeito, os mercenários cubanos nem se dá por eles, perdeu Prigozhin e o Grupo Wagner, tem uma queda drástica no fornecimento de tecnologia e de armamento por parte do Irão, que neste momento tem mais com que se preocupar.
- Quando se deu a invasão da Ucrânia nem a Suécia nem a Finlândia integravam a Nato; presentemente a fronteira da Rússia com a Nato cresceu quase 1300 Kms
- A Moldova, o Azerbaijão e a Arménia voltaram-se inequivocamente para a Europa; Cazaquistão e Uzbequistão viraram as costas à Rússia e estabelecem acordos com a Europa e a China.
Seria o momento... Só colocando Putin perante uma situação que o obrigue a considerar uma derrota mais do que provável se poderá leva-lo a aceitar uma solução que evite a evidência da sua derrota. Putin tem na memória, e provavelmente em pesadelos assíduos, o que se passou na Rússia após ser derrotada no Afeganistão: a desagregação da União Soviética, a queda do Muro de Berlim.
Qual a relação? Ora...
Como enfrentaria Putin, não só o povo russo mas os oligarcas, a sua base de sustentação política, sancionados, depenados, expulsos dos grandes centros de negócio europeus, impedidos de viajar a seu bel-prazer em lazer ou trabalho; os militares, força bélica da "super-potência", que lhes é vendida em ciclos de formatação mental, um país grandioso novamente à beira do colapso económico. Tudo isto porque o Presidente Putin, sempre "eleito" por mais de 80% dos votos, resolveu invadir a Ucrânia, que conquistaria em 3 dias, devolve uma Rússia derrotada, humilhada, com mais de 1 milhão de baixas e ostracizada pela maior parte do mundo.
Putin não é estúpido nem inconsciente, tem perfeita noção de que a exposição da derrota acarreta a sua queda política. Seria o momento...
Não irá ser. Trump acariciado por Putin e lisonjeado por Orban... É muito para um ego só, para tanta ambição egocêntrica, para tanta impotência elevada por segredos obscuros fechados em cofres, é muito para quem admira a subjugação da liberdade alheia
Seria... se Kamala Harris tivesse sido eleita.
Com todos os defeitos que lhe possam atribuir, com todas as discordâncias políticas que se possam reclamar, uma coisa será reflectidamente concedida: o mundo não estaria perante esta colecção de descalabros. Nem a América estaria à beira de um precipício, nem a Europa, bem acompanhada, estaria a fazer das tripas coração, compelida a uma bajulação nauseante a fim de evitar catástrofes económicas e militares, nem seria Zelensky quem seria colocado entre a espada e a parede em nome de um cessar-fogo temporário, em nome de um "acordo" tão credível quanto o Acordo de Budapeste de 1994, tão fiável quanto a assinatura de Netanyahu no acordo de paz de Gaza.
Nem tudo, em política, é uma questão de ideologia, a maior parte das vezes, seja em que circunstâncias for, é acima de tudo uma questão de princípios, de valores, de abnegação pessoal. Grandes egos tornam os homens muito pequenos
Num discurso a Zelensky na Casa Branca, Harris disse:
«Alguns no meu país pressionariam a Ucrânia a aceitar um acordo de paz em que cederia o seu território soberano e a sua neutralidade para fazer a paz com Vladimir Putin.
Estas propostas são as mesmas de Putin e, sejamos claros, não são propostas de paz, são propostas de rendição, o que é perigoso e inaceitável»
26/09/ 2024
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