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SANTO ANTÓNIO NO MEU BAIRRO

Ainda há bocadinhos de Portugal no Estado português
Ainda se encontram resquícios de Lisboa na amalgama urbana e descaracterizada da capital.

O meu bairro hoje está em festa, numa azáfama desde manhã.
Não há onde estacionar um carro, a polícia, estranhamente, desistiu de castigar prevaricadores e até anda a ajudar a montar pequenas esplanadas nos sítios mais estranhos: em cada canto há duas ou três mesas para servir sardinhas. O cheiro vindo dos assadores invade as casas e a música que sai de cada tasca mistura-se no ar numa guerrilha alegre de ruas e becos. Penduram-se fitas farfalhudas de cores garridas que atravessam as ruas de prédio a prédio, construindo tectos e abóbadas de festa, para indicar onde vão dançar os arraiais e assar sardinhas e febras para comer no pão. De todo o lado nascem mesas, cadeiras, assadores, colunas de som, barris de cerveja e grades de vinho tinto, transportados por gente bem disposta que esqueceu a vida quotidiana, o cansaço e a resmunguice. Dizem-se brejeirices, combinam-se encontros para "logo à noite", pedem-se favores e emprestam-se ferramentas. Vá-se lá saber como mas anda boa disposição e alegria no ar; trabalha-se com ânimo e disponibiliza-se boa-vontade.

Confesso que não sou "muito lisboeta", embora seja alfacinha de gema, nada e criada, mas gosto tanto da noite de Santo António...
Gosto de ver os miúdos das marchas infantis de mão na anca rodando os quadris, cheios de uma raça que nem sabem de onde lhes veio, mas está lá.
Gosto dos cumprimentos bem dispostos dos vizinhos no meio da rua porque hoje somos do mesmo bairro, somos mais vizinhos do que em qualquer outro dia do ano.
Hoje sentamo-nos às mesmas mesas, em bancos corridos, à porta das tascas onde durante o ano tomamos café sem nos falarmos ou oferecendo um sorriso posto num "bom-dia" automático. Hoje partilhamos pão e vinho tinto do jarro da mesa - o Santo António traz-nos uma espécie de Páscoa bairrista nessa partilha

Hoje, nos bairros que vivem em Lisboa  há séculos e não uns recém-chegados de história compostinha, a alma de Lisboa está viva e é mais uma alma de mais uma província do nosso Portugal. Gosto disso.

Eu até vinha para casa tomar um duche que me lavasse a alma das chatices e do cansaço e me deixasse com a paz de nada para fazer para além de um hamburguer no pão e umas batatas fritas quentinhas e salgadas...
Mas fui ali à tasca da São tomar um café antes de vir para casa...
Toda aquela animação mexeu comigo; um convite para bailar uma marcha feito pelo bisavô mais querido cá do bairro; e as cores, e a música, e aquela vizinhança a trabalhar tão contente... As sardinhas no gelo e no sal...  O tinto honesto vindo do Ribatejo... As mesas corridas com toalhas aos quadradinhos azuis e brancos...

Então até logo, vou pôr a minha saia rodada e o meu lenço florido.


Os meus amigos e vizinhos que prepararam a sardinhada:

A EQUIPA
O MESTRE-ASSADOR
O RESULTADO

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2 comentários:

Laurus nobilis disse...

Em certas zonas, Lisboa tem realmente um encanto, difícil de encontrar noutras paragens.

Alex disse...

Nas zonas mais antigas, onde há casas mais velhas, vivem lisboetas de há gerações mais ligados às tradições da cidade, onde ainda se conhecem os vizinhos e onde as pessoas nas lojas têm nomes próprios.
Gosto de pessoas com nomes e prontas a estender a mão; sei que não é regra mas, numa aflição ou numa noite de festa, prefiro um bairro antigo aos urbanizados, limpos e ajardinados "bairros" modernos de habitantes incógnitos.