«Ao longo de 2009, moveram-se todas as influências possíveis para ter as pessoas ‘certas’ nos lugares certos.»
in "Sol", Ana Paula Azevedo e Felícia Cabrita, 6 Mar.2010
Intrigalhada em vários actos baseada no artigo original do "Sol" de 6/03/2010
OS COMBOYS:
Armando Vara -Ex-dirigente do PS, amigo de longa data de José Sócrates e banqueiro; negócios PT/TVI, PT/Taguspark e Associação Nacional de Farmácias, entre outros
Manuel Godinho - empresário, que acumula um historial de fuga ao Fisco e casos duvidosos no âmbito de concursos para a recolha e tratamento de resíduos industriais;
movia-se bem ao nível dos quadros médios de empresas públicas (como a REN, a EDP e a Refer) que o informavam antecipadamente dos concursos e negociavam directamente com ele a contratação de serviços e a forma de ludibriar as autoridades.
Acusado de ter roubado carris na linha do Tua e de sobrefacturar serviços, Godinho tem um longo contencioso com a Refer.
Carlos Vasconcelos (quadro medio da Refer) - terá sido através dele que Godinho conseguiu aceder a:
Fernando Lopes Barreira - empresário da área do PS, também arguido no caso
e os amigos deste:
Mário Lino - Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, defensor do aeroporto na Ota e mais conhecido por "Jámê"
e o já referido Armando Vara
O CHATO:
Luís Pardal - Presidente do conselho de administração da Refer (empresa pública da rede ferroviária nacional) – deu ordens, informalmente, para que às empresas de Godinho (grupo O2) não fossem adjudicados mais concursos.
A GAJA:
Ana Paula Vitorino - secretária de estado dos transportes, que dava razão a Luís Pardal, tornando-se assim uma "chata"
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ENREDO:
Para Godinho, Pardal só deu ordens para que não fossem adjudicados mais concursos porque tinha o apoio da tutela, a secretária de Estado Ana Paula Vitorino; ilustrado no desabafo que tem, numa conversa telefónica com um dos outros arguidos no ‘Face Oculta’: «Enquanto a gaja lá estiver, é uma chatice!»
ESTRATÉGIA:
Segundo o MP, Lopes Barreira e Armando Vara aceitaram ser os pontas-de-lança junto do Governo: enquanto Barreira telefonava a Mário Lino, ministro das Obras Públicas (tutela de Vitorino),
Vara ligava a José Sócrates.
Estão ambos indiciados neste processo por crimes de tráfico de influências – estando o MP convicto de que Godinho pagou a Vara e Barreira, a cada um, 25 mil euros.
O DESENROLAR DA INTRIGA
10 de Fevereiro de 2009,
Carlos Vasconcelos, quadro da Refer (e arguido) definia bem a situação:
«A gaja agora atirou-se ao Sócrates na história do Tua [polémica sobre a recuperação desta linha de comboio, em Trás-os-Montes].
Ó pá, o Sócrates tem de dar uma ‘sticada’ na gaja.
É que isto está de facto a entrar por um caminho preocupante».
5 de Março.
José Valentim, outro quadro da Refer, sintetizava a situação: «Os gajos não têm mão no Pardal», mas este «tem os dias contados, isto é uma questão de dias, de certeza».
A juntar à crise, o empresário (Godinho) via diminuir as os concursos adjudicados às suas empresas. «Estou aflitíssimo» – confessa a Paulo Penedos (1*)(advogado e também arguido no Face Oculta), referindo-se à «falta de trabalho». Para resolver a situação, diz que vai telefonar a Vara, «a ver se ele dá um empurrão aqui, um empurrão acolá».
Quem também desenvolve contactos é Lopes Barreira, que alardeia a sua facilidade em falar com o ministro Mário Lino (Obras Públicas) e com Jorge Coelho (outra figura socialista), e de chegar a José Sócrates.
11 de Março,
Barreira promete a Godinho que vai falar ao vice-presidente do BCP:
«O Armando agora, com as relações com Angola [Vara era presidente do BCP Angola], o gajo pode arranjar umas coisas bestiais para si. Presidente de um banco, tão importante como aquele, que está metido nos mais variados negócios, pá, e o senhor é um homem de negócios... Eu, no fim-de-semana, vou-lhe telefonar e dizer ao gajo ‘oh pá, o sr. Godinho tem de ser priorizado, não pode andar a sofrer aqui eternamente’. Tanto o Jorge como ele: eu vou falar com os dois». Lopes Barreira toma as dores de Godinho, diz que percebe bem a situação do empresário de Ovar, pois ele próprio ainda não conseguiu receber «dois milhões e meio da RAVE» (empresa pública da Rede de Alta Velocidade, também sob a tutela de Vitorino).
20 de Março,
Godinho, Lopes Barreira e Vara almoçam em casa do primeiro, em Ovar. O MP defende que foi nesta ocasião que Manuel Godinho pagou 25 mil euros a cada um. No regresso a Lisboa, Lopes Barreira telefona a Godinho para lhe agradecer o almoço. E renova a promessa de falar a Mário Lino: «Aquilo que o Armando lhe disse, eu concordo, pá, que isto não pode ficar assim, tem que se ver aí… Eu até ia fazer uma coisa que fica aqui entre nós, nem diga nada ao Armando: ia pôr a questão ao Lino, hum?». «Sim, é isso que eu pretendo, tá a ver» – concorda Godinho. O ministro «é bom rapaz», explica Barreira, «mas quem manda é ela» (Ana Paula Vitorino). «Ela está completamente queimada, mas não fazem nada. O Sócrates é contra ela, ele diz mal dela…». «Mas compreende-se a posição do chefe neste momento», responde Godinho, referindo-se à proximidade das eleições legislativas.
10 Abril,
Lopes Barreira informa Godinho de que «a Ana Paula Vitorino vem cá almoçar comigo, a minha casa, segunda-feira» e que também tinha falado «com o Lino».
«Mas o gajo [Luís Pardal] não faz cedências, continua a lixar-nos. Ele tem indicações de alguém, de certeza» – queixa-se Godinho. «Eu não faço ideia. O Sócrates sabe perfeitamente o que se passa», responde Lopes Barreira.
28 de Maio,
Ocorre o telefonema que o Ministério Público (MP) considera ser a prova de um pagamento. Numa conversa cifrada, Godinho pergunta a Vara se «aquilo dos 25 quilómetros» era «para agora» – e o MP considera não haver dúvidas de que estavam a referir-se a 25 mil euros em ‘luvas’.
5 de Junho,
Vara telefona a Manuel Godinho, para saber se já tinha falado «lá com o homem da Refer». O empresário de Ovar responde que não e anuncia-lhe que sabe que o Tribunal da Relação do Porto lhe vai dar razão no processo da Refer
15 de Junho,
Godinho comunica também a Lopes Barreira que ganhou este processo judicial.
«Se eles me derem os trabalhos que me tiraram, calo-me bem calado».
«Então vou dizer ao Lino, logo já lhe telefono», garante Lopes Barreira. Godinho pede-lhe também que «telefone ao nosso amigo» (Vara). Com a decisão da Relação, que o MP de Aveiro suspeita ter sido um favor, o grupo pensa convencer Mário Lino da inocência de Godinho e assim afastar Pardal e a secretária de Estado.
A Refer tinha entretanto recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Godinho fala então com o seu advogado, Melchior Gomes (também arguido no Face Oculta) e pergunta-lhe se o processo no STJ ainda pode ter um desfecho que lhe seja desfavorável.
O advogado responde que não – mas «vamos estar atentos: a gente conhece lá muita gente e boa».
Em finais de Julho,
Lopes Barreira telefona a Godinho, dizendo que vai chatear Mário Lino:
«A gaja anda-nos a perseguir a ti e a mim, a nós, e perseguições destas não as admito seja a quem for. Somos pessoas de bem e queremos trabalho, pá…». «Exactamente», conclui Godinho. «O Lino ligou-me ontem e eu disse-lhe: a culpa é tua porque tu és o chefe e não tens coragem para a pôr na ordem».
(1*)_ O DIAP do Baixo Vouga diz que Paulo Penedos (PT) recebeu cerca de 275 mil euros para influenciar, através do seu pai José Penedos, a adjudicação de serviços da REN ao grupo O2.(de Manuel Godinho) «A intermediação proposta por Manuel Godinho e aceite por Paulo Penedos é do conhecimento de José Penedos, presidente da Rede Eléctrica Nacional (REN), merecendo não só a sua concordância e o seu estímulo, ao exercer o poder que o cargo que ocupa lhe confere no sentido de favorecimento das empresas de Manuel Godinho», lê-se no mandado de busca.
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