Hoje ouvi o discurso mais chocante, mais arrogante, mais desavergonhado de que tenho memória em tempos modernos. Proferiu-o o vice-presidente dos EUA, JD Vance, perante uma plateia de 500 participantes e 300 convidados na Conferencia de Segurança de Munique, uma conferência prestigiada que tem lugar anualmente.
Já são muitos anos a ouvir discursos, a reconhecer hipocrisias, mentiras descaradas, manipulações óbvias. Não me lembro de algum me ter indignado, enraivecido como o deste traste emplumado. Vem este sopeiro do Trump, de quem em tempos disse as últimas, apadrinhado por Musk, que o pôs lá de reserva para o caso de ter de mandar o Trump às malvas, instruir a Europa sobre o que é e como se respeita uma democracia. Era só o que me faltava, um tratante que serve um gajo que, tendo perdido umas eleições, se dispôs a mandar invadir o Capitólio em dia de certificação eleitoral para se manter no poder. Era mesmo o que me faltava, este conivente silencioso, que troca de ideias como quem troca de conveniências, a dar lições sobre liberdade de imprensa, ao serviço de um patrão que diz que a imprensa é a inimiga do povo; a repreender os líders europeus sobre o respeito pela opinião contrária, tendo o seu presidente dito que os seus opositores deveriam ser presos. Dou por mim a ouvir este badameco a falar de valores... Que a Europa recua em relação a alguns dos seus valores mais fundamentais! Mas este gajo tem alguma noção do que é ter valores?«Se estão a fugir com medo dos vossos próprios eleitores, não há nada que a América possa fazer por vocês »
Deixo aqui uma parte do discurso, uma grande parte porque todo ele é uma aberração. Falou de tudo o que lhe apeteceu menos de Segurança. Não transcrevo as mentiras mal-amanhadas que usou para denegrir as democracias da Inglaterra, da Suécia, da Escócia, da Alemanha, da União Europeia enquanto orgão legislativo; Repleto de sentenças, não são ameaças, são avisos de intenção, são exigências, é chantagem, pura, com o destino da Ucrânia espartilhado no meio:
"Cedam às forças que devem tomar o comando, não se oponham à manipulação dos povos, colaborem e manterão o vosso poder e o nosso apoio"
« .../... Reunimo-nos nesta conferência para discutir a Segurança e, normalmente, referimo-nos a ameaças à nossa segurança externa. Vejo muitos, muitos grandes líderes militares reunidos aqui hoje. Mas, embora a administração Trump esteja muito preocupada com a segurança europeia e acredite que podemos chegar a um acordo razoável entre a Rússia e a Ucrânia, também acreditamos que é importante que nos próximos anos a Europa avance intensamente na garantia da sua própria defesa. A ameaça que mais me preocupa em relação à Europa não é a Rússia, não é a China, não é nenhum outro actor externo. O que me preocupa é a ameaça que vem de dentro. O recuo da Europa em relação a alguns dos seus valores mais fundamentais, valores que partilha com os Estados Unidos da América. Fiquei impressionado com um ex-comissário europeu que foi recentemente à televisão ter parecido satisfeitíssimo com o facto de o governo romeno ter anulado uma eleição inteira, e avisou que, se as coisas não decorrerem como planeado, o mesmo poderia acontecer também na Alemanha.
Estas declarações arrogantes são chocantes para os ouvidos americanos. Há anos que nos dizem que tudo o que financiamos e apoiamos é em nome dos nossos valores democráticos partilhados. Tudo, desde a nossa política em relação à Ucrânia até à censura digital, é apresentado como uma defesa da democracia. Mas quando vemos tribunais europeus a cancelar eleições e altos funcionários a ameaçar cancelar outras, devemos perguntar-nos se nos estamos a manter num padrão adequadamente elevado. E digo nós próprios, porque acredito fundamentalmente que estamos na mesma equipa. Temos de fazer mais do que falar de valores democráticos, temos de os viver. Na memória viva de muitos de vós nesta sala, a guerra fria colocou os defensores da democracia contra forças muito mais tirânicas neste continente. E considerem o lado dessa luta que censurava dissidentes, que fechava igrejas, que cancelava eleições. Eram eles os bons da fita? Certamente que não. E graças a Deus perderam a guerra fria. Perderam porque não valorizaram nem respeitaram todas as extraordinárias bênçãos da liberdade, a liberdade de surpreender, de cometer erros, de inventar, de construir. Afinal, não se pode impor a inovação ou a criatividade, tal como não se pode impor às pessoas o que pensar, o que sentir ou em que acreditar. E nós acreditamos que estas coisas estão certamente ligadas. E, infelizmente, quando olho para a Europa de hoje por vezes não é muito claro o que aconteceu a alguns dos vencedores da Guerra Fria
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Receio que a liberdade de expressão esteja a recuar e, no interesse da comédia, meus amigos, mas também no interesse da verdade, admito que, por vezes, as vozes mais altas a favor da censura não vieram da Europa, mas do meu próprio país, onde a administração anterior ameaçou e intimidou as empresas de redes sociais para que censurassem a chamada desinformação. Desinformação, como, por exemplo, a ideia de que o coronavírus tinha provavelmente fugido de um laboratório na China. O nosso próprio governo encorajou empresas privadas a silenciar as pessoas que se atreviam a dizer o que se revelou ser uma verdade óbvia. Por isso, venho aqui hoje não apenas com uma observação, mas com uma oferta. Tal como a administração Biden parecia desesperada por silenciar as pessoas por dizerem o que pensam, também a administração Trump fará precisamente o contrário, e espero que possamos trabalhar juntos nesse sentido.
Em Washington, há um novo xerife na cidade e sob a liderança de Donald Trump, podemos discordar das vossas opiniões, mas lutaremos para defender o vosso direito de as apresentar na praça pública. Agora, chegámos a um ponto em que a situação se tornou tão má que, em Dezembro passado, a Roménia cancelou pura e simplesmente os resultados de uma eleição presidencial com base nas suspeitas frágeis de uma agência de informações e na enorme pressão dos seus vizinhos continentais. Segundo sei, o argumento era que a desinformação russa tinha infetado as eleições romenas. Mas peço aos meus amigos europeus que tenham alguma perspetiva. Podem acreditar que é errado a Rússia comprar anúncios nas redes sociais para influenciar as vossas eleições. É claro que acreditamos. Podem até condená-lo na cena mundial. Mas se a vossa democracia pode ser destruída com algumas centenas de milhares de dólares de publicidade digital de um país estrangeiro, então não era muito forte para começar.
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Permitam-me que vos pergunte também: como é que vão sequer começar a pensar no tipo de questões orçamentais se, para começar, não soubermos o que é que estamos a defender? Já ouvi muita coisa nas minhas conversas, e tive muitas, muitas conversas óptimas com muitas pessoas reunidas aqui nesta sala. Ouvi falar muito sobre aquilo de que têm de se defender, e é claro que isso é importante. O que me pareceu um pouco menos claro, e certamente penso que a muitos dos cidadãos da Europa, é exatamente aquilo por que se estão a defender. Qual é a visão positiva que anima este pacto de segurança partilhada que todos acreditamos ser tão importante? Acredito profundamente que não há segurança se tivermos medo das vozes, das opiniões e da consciência que guiam o nosso próprio povo. A Europa enfrenta muitos desafios mas a crise que este continente enfrenta atualmente, a crise que acredito que todos enfrentamos juntos, é uma crise criada por nós próprios. Se estão a fugir com medo dos vossos próprios eleitores, não há nada que a América possa fazer por vocês nem, aliás, há nada que possam fazer pelo povo americano que me elegeu e que elegeu o Presidente Trump.
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E, claro, nós sabemos isso muito bem. Na América, não se pode ganhar um mandato democrático censurando os adversários ou metendo-os na cadeia. Quer se trate do líder da oposição, de um humilde cristão que reza na sua própria casa, ou de um jornalista que está a tentar dar as notícias. Também não se pode ganhar um mandato ignorando o eleitorado básico em questões como quem pode fazer parte da nossa sociedade partilhada.
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Considero que dispensar as pessoas, ignorar as suas preocupações ou, pior ainda, encerrar os meios de comunicação social, encerrar as eleições ou excluir as pessoas do processo político não protege nada. De facto, é a forma mais segura de destruir a democracia. Falar e expressar opiniões não é interferência eleitoral, mesmo quando as pessoas expressam opiniões fora do nosso país e mesmo quando essas pessoas são muito influentes; se a democracia americana pode sobreviver a dez anos de repreensão de Greta Thunberg, vocês podem sobreviver a alguns meses de Elon Musk.
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A democracia assenta no princípio sagrado de que a voz do povo é importante. Não há lugar para firewalls. Ou se defende o princípio ou não se defende. Os europeus, os povos têm uma voz. Os líderes europeus têm uma escolha. E a minha forte convicção é que não precisamos de ter medo do futuro. Aceitem o que o vosso povo vos diz, mesmo quando é surpreendente, mesmo quando não concordam e, se o fizerem, podem enfrentar o futuro com certeza e com confiança, sabendo que a nação está a apoiar cada um de vós. E isso, para mim, é a grande magia da democracia. Não está nestes edifícios de pedra ou nos belos hotéis. Nem sequer está nas grandes instituições que construímos juntos como uma sociedade partilhada. Acreditar na democracia é compreender que cada um dos nossos cidadãos tem sabedoria e tem uma voz. Se nos recusarmos a escutar essa voz, mesmo as nossas lutas mais bem sucedidas pouco garantirão. Como disse uma vez o Papa João Paulo II, a meu ver um dos mais extraordinários defensores da democracia neste continente ou em qualquer outro, “não tenhais medo”. Não devemos ter medo dos nossos povos, mesmo quando expressam opiniões que discordam da sua liderança. Obrigado a todos. Boa sorte a todos vós. Que Deus vos abençoe.»
A transcrição do discurso integral AQUI
E depois disto? Depois disto, Vance e a sua delegação, sentaram-se à mesa de conversações com Zelensky e a sua delegação; recusou-se a responder a perguntas dos jornalistas e mandou-os porta fora antes que Zelensky resolvesse responder fosse ao que fosse.E depois? Depois evitou o chanceler Scholz durante toda a sua visita a Munique mas foi encontrar-se com a líder do partido AfD, Alice Weidel. Certíssimo, fez o que Musk o mandou fazer.Uma ressalva porém, é que Vance é vice-presidente da América...
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