Há tempos contei aqui uma conversa, que ouvi durante um almoço, entre dois machos que me pareceu notável, não só pela narativa como pela linguagem e, particularmente, pelo ridículo do fim da história...
Pois bem, hoje tocou-me uma experiência com o seu quê de semelhante mas passada com fêmeas...
Resolvi ir dar ar à criança e ao cachorro e dispus-me a passar meia horita numa esplanada coberta, libertando a criança, civilizando o cão, com uma vaga esperança de conseguir ler qualquer coisita de um livro começado há várias semanas e que tem estado a ganhar pó na prateleira do cansaço.
À mesa ao meu lado direito estavam duas pequenas na casa dos vinte e tal, à minha esquerda estavam três damas, duas pelos trinta e tal e uma que contaria quarenta e picos, enfim tudo gente com idade para ter juízo.
Eu prestava atenção meu filho que "perseguia vilões" ali por perto, mantinha o cachorro sossegado sob a minha cadeira e ainda acreditava que ia conseguir ler qualquer coisa.
De repente oiço à minha direita:
-«...e ficamos de ir jantar no sábado. Achas que eu vá para a cama com ele?»
Eriçaram-se-me as sobrancelhas! Mas aquilo é pergunta que se faça? Esforcei-me para não olhar para a pateta a quem assomara tal dúvida esperando impaciente por ouvir a resposta.
-«Ai Ana sei lá, achas que ele gosta de ti? Achas que é melhor se fores ou se não fores?»
Quê? É melhor? Melhor como? Agora é que eu não ia mesmo ler coisa alguma, aquela conversa estava a abrir-me novos horizontes... universos mesmo.
-"Pois... não sei bem... Por um lado tenho medo que ele me tome por certa e se desinteresse mas por outro tenho medo que ele pense que eu não quero ou que me estou a fazer cara e que arranje uma que esteja na dele... Achas que ele gosta de mim?"
Ou seja, a tal Ana tem medo do sim, tem medo do não, tem medo de que ele não goste dela, tem medo de que deixe de gostar... E também tem medo de saber o que quer, ou será mesmo uma incapacidade?
Valha-me Santo António... Aquela mulher tem idade para votar, para jogar na roleta, para ter filhos... Mas será que tem idade para ir para a cama seja com quem for? Com tantos medos não terá medo de se olhar no espelho?
Deu-me uma vontade disparatada, e por certo absolutamente ineficaz, de lhe dar um puxão no braço e de lhe dizer que não sei se "ele" gosta ou não dela mas seria bom que ela começasse gostar de si própria. E cadê o respeitinho que é tão bonito, mesmo que seja para uso próprio?
E o raio da amiga da Ana, "o que é melhor"? Só se estraga uma mesa...
Acabei por não prestar atenção á importantíssima resposta da amiga da Ana porque entre as minhas divagações irritadas senti as orelhas arrebitarem-se-me para o lado esquerdo:
-«...é verdade, mas também estou farta de viver sozinha», lamuriava uma trintona.
-«Olha, eu estou farta de viver acompanhada, rosnava a outra, mas se não te apetece estar sozinha por que é que não arranjas companhia?» Boa pergunta, achei eu.
-«Não sei, não calha... e não posso resolver viver assim com qualquer qualquer pessoa de um momento para o outro, não é... e eu acho que tenho mais feitio para viver sozinha... só que me sinto triste por andar sempre sozinha». Hum, começo a perceber por que "não calha"...
-«Façam como eu, gargalhou a quarentinha, vou alternando a situação e mudando de sujeito».
-«E és feliz?» perguntava a primeira com ar de quem estava a precisar do
Xanax da tarde.
-«Não, e tu és? Parece que não há alternativa, a oferta está má...»
Neste ponto concordei com a mais velha, a "oferta" está péssima mas parecia-me que, pelo menos por ali, a "procura" não estaria melhor... E quanto a essa de não haver alternativa só podia ser falta de imaginação, de experiência não seria...
-«Estejam caladas, não há nada pior do que aturar um gajo dentro de casa, sempre dentro de casa, de chinelos nos pés e telecomando nas mãos», voltou a rosnar a segunda.
Senti-me tentada a concordar também com ela mas lembrei-me da anedota: "
se enjoa por que é que insiste?"
-«Está calada tu, voltou a deprimida, se ele andasse por aí na boa vida passavas-te por ele não parar em casa, estás sempre a controla-lo... Ainda no dia dos teus anos me disseste que não me metesse a dar opiniões que o homem era teu; além disso em dez anos que te conheço nunca te vi mais de um mês sem teres um namorado»
Hum... mau sinal, pensei eu
-«Estão a ver, eu é que tenho razão, arranjem um namorado se quiserem companhia e mandem-no à fava quando quiserem viver sozinhas, não é a vida de sonho mas é a única maneira, já me deixei de sonhos há muito tempo»
Hum hum, pensei eu, não vais longe...
A única maneira?
Que raio, estavam ali três infelizes, ou pelo menos três insatisfeitas com a vida que tinham: uma queria viver só mas ter companhia e não percebia que não havia qualquer dilema ou incompatibilidade; a outra vivia acompanhada e estava farta, embora não desse mostras de querer estar só, aparentemente, pelo menos, nos últimos dez anos; a terceira saltitava entre o só e o acompanhada, confessando que não era feliz assim mas já tinha desistido de sonhar e, pior, dizia isto como quem crê estar a dar mostras de maturidade.
Para não estarmos sós será necessário viver com alguém sob o mesmo tecto?
É preciso viver acompanhada/o para não se andar sempre só?
Faz sentido saltitar de companhia em companhia para se encontrar o equilíbrio entre uma situação e outra, particularmente quando se sabe que isso não é uma vida que se sonhasse?
Não existe meio termo entre o "chinelo/telecomando" e o "playboy"?
E o que será isso de "o homem é meu"? Vem com título de propriedade?
Há coisas que me fazem muita confusão...
E o pior disto tudo é que perdi o fio à meada da conversa da Ana, ao lado direito, e fiquei sem saber o que é que ela decidiu que seria "melhor"... Como diz alguém que conheço: pelo sim, pelo não, Aninha, o melhor é tomar uma banhoca antes de sair de casa.
Ele há vidas muito difíceis!