O Hamas é uma milícia terrorista, desumana e perversa nos seus meios, nos seus fins, no ataque aos cidadãos de Israel assim como no letal menosprezo pela população de Gaza. Ponto
O governo de Israel seria suposto ser composto por pessoas de bem, com noção de proporcionalidade e respeitador dos 15 pontos da actual Convenção de Genebra, com especial incisão na prevenção de "danos colaterais" - leia-se vidas humanas, assistência sanitária, meios de sobrevivência dignos, habitação, campos de refúgio seguros, livre passagem de alimentos e terapêuticos e mais dezenas de coisas que só evocará quem passa pelo inferno. O governo de Israel seria suposto ser composto por pessoas de bem mas tem provado repetidamente, exaustivamente, que não é, nem mesmo no respeito e salvaguarda dos seus cidadãos, concretamente os reféns de criminosos selvagens e as suas famílias.
Dos 251 reféns feitos pelo Hamas a 7 de Outubro de 23, o IDF conseguiu resgatar apenas oito, dos quais dois haviam conseguido fugir e foram retirados pelo exército; 59 reféns permanecem sob o Hamas, dos quais 35 se acredita estarem mortos
Todas sondagens realizadas durante os últimos meses em Israel evidenciam os mesmos resultados, com variações mínimas:
- 70% dos israelitas estabelecem como primeira prioridade a negociação da libertação reféns e o fim da guerra
- 18 25% consideram como primeira prioridade a erradicação do Hamas
- 60% suspeitam de razões políticas e interesses pessoais nas decisões de Netanyahu
A retoma dos bombardeamentos aéreos a Gaza na passada terça-feira - numa acção de uma violência desmedida que em poucas horas matou mais de 400 pessoas, muitas das quais crianças e contabilizados mais de 600 feridos hospitalizados - coincide com a implementação da 2ª fase acordo de cessar-fogo (fim definitivo da guerra e libertação dos últimos reféns mantidos na Faixa de Gaza)
Sob o acordo de cessar-fogo, assinado em Janeiro, Israel retirou-se do Corredor Netzarim, uma faixa que divide Gaza ao meio, a Cidade de Gaza e o norte de Gaza das partes do sul da Faixa que faz fronteira com o Egipto. Com a entrada em vigor da trégua centenas de milhares de palestinos passaram pelo corredor. Ontem, quarta-feira, as Forças de Defesa de Israel reiniciaram ataques terrestres no centro e sul da Faixa de Gaza expandindo seu controlo ainda mais para o centro do Corredor Netzarim.
Porquê?
Creio ser óbvio que o que se passa em Gaza não é desligado da situação política interna do governo de Israel, nem tão pouco da frágil situação judicial do primeiro-ministro.
Netanyahu não pode aceitar a 2ª fase do acordo... A extrema-direita, presente na coligação do governo, não aceitou de bom grado o cessar-fogo em Gaza; Ben Gvir, abandonou o governo em protesto, Bezalel Smotrich, disse que sairia se Israel não voltasse à guerra; Na terça-feira, o partido de Ben Gvir - Poder Judaico - anunciou que voltaria a fazer parte do governo. Netanyahu precisa dessa facção para se manter no governo
Esta semana Netanyahu anunciou a sua intensão de despedir o Procurador-Geral Baharav-Miara e Ronen Bar, o chefe do Shin Bet - a agência de Inteligência responsável pela segurança interna e responsável por Gaza - responsabilizando-o pelo falhanço da defesa de Israel e acusando-o de falta de lealdade.
Se Netanyahu considerou a liderança do Shin Bet responsável pelo "7 Out." porque esperou quase um ano e meio para pedir a demissão de Bar?”
Na versão de Ronen Bar, e não só, Netanyahu exigiu-lhe "lealdade pessoal" sobrepondo-se ao interesse público. A verdade é que o Shin Bet tem (ou teve?) entre mãos duas investigações a Netanyahu e quanto a responsabilidades é do conhecimento público que foram entregues ao primeiro-ministro relatórios do Shin Bet, e da Mossad, que alertavam para um ataque do Hamas e que ele desconsiderou com um sonoro "Nunca se atreverão". Bar defende uma Comissão de Inquérito do Estado sobre o ataque de 7 de Outubro, à qual Netanyahu se opõe, temendo – com razão – vir a ser responsabilizado pela inoperância perante as ameaças reportadas
Novas manifestações massivas contra o governo propagam-se por todo o Israel desde que recomeçaram os ataques; pela libertação dos reféns ainda em posse do Hamas cuja libertação estava já programada para esta 2ª fase, contra o recomeço da guerra, contra a degradação legal das instituições democráticas, judiciais e de segurança interna.
Se não bastasse o verdadeiro holocausto que tem lugar em Gaza sob os olhos do mundo, acresce que essa situação e a do Líbano e a do Iémen com os houthis, pode escalar para uma guerra envolvendo Irão.
Há pouco mais de 1 mês, Netanyahu esteve em Washington, quando Trump ofereceu ao mundo a sua solução para Gaza, a "Riviera do Medio- Oriente". Há dois dias Trump e Netanyahu conversaram, muito. A ideia da "Riviera em Gaza" é para avançar, segundo eles. Os palestinianos podem ir para a Síria, segundo eles...
Não se pode considerar uma guerra no Levante - Líbano Síria e Gaza - sem o envolvimento do Irão, nem pretender que este entre em conversações. Apesar de Trump dizer publicamente que é "very tough" e que "uma acção militar no Irão está sempre sobre a mesa", enviou uma carta ao líder supremo convidando-o para uma mesa de negociações.
Ainda que Trump gostasse de ser o durão que depôs a teocracia iraniana o momento é péssimo: Putin não quer guerras com o Irão, precisa das armas iranianas e da instabilidade na zona em em fogo anémico; além disso ainda não desistiu de manter as patas na Síria.
Entre Netanyahu e Putin, entre a "Riviera de Trump" e o "Poder de Trump", Trump não tem a vida facilitada no Médio Oriente.
A escolha? Isso são outros quinhentos... Fica para amanhã, ou depois, ou para quando me passar esta náusea deixada pelas últimas imagens de Gaza misturadas com o sorriso de Netanyahu proclamando "Isto é só o começo".
Começo? Até agora, Março 25, só óbitos confirmados, morreram 49 947 palestinianos e 1706 israelitas (dos quais 1195 no ataque de 7 Out). Milhares de corpos estarão sob os escombros de Gaza
.
Sem comentários:
Enviar um comentário